Tomei conhecimento do menino Artur ao ver o noticiário que trazia mais uma ocorrência da insana guerra diária que o Brasil, e especialmente o estado do Rio de Janeiro, vive com a bandidagem.
Filho de Klebson Cosme da Silva e de Claudineia dos Santos Melo, Artur foi agredido ainda dentro do útero de sua mãe, ao ser atingido covardemente por uma bala perdida na cidade de Duque de Caxias, na baixada fluminense, no Rio de Janeiro.
Desde então, esse bravo brasileirinho, apeado às pressas do conforto uterino, conheceu a face mais nefária do mundo que o aguardava. Mas, luta como um gigante para permanecer neste mesmo mundo que o atacou antes mesmo de seu nascer.
Prosaico cotidiano da barbárie, a existência precoce do menino Artur é mera estatística, porém, trata-se de uma tragédia para sua família e para um país que está anestesiado pela indiferença e pela falta de indignação, onde suas instituições apodrecem a mercê da complacência social, onde crianças são assassinadas e agredidas dentro do ventre materno.
Evidentemente que, a cada dia, perdemos paulatinamente a humanidade, ao constatarmos que meninos como Artur são invisíveis, são distantes, até sermos nós ou nossos entes queridos a próxima vítima; ou pior, nos acostumarmos e encontrarmos normalidade neste absurdo.
Quem deve prestar desculpas ao menino Artur?
Primeiro, o Estado Brasileiro deve desculpar-se com o menino Artur, partícipe das mais diversas formas de delinquência e bandidagem, a triste verificação que todo aparato estatal é incapaz e incompetente de proteger suas crianças. Artur vem ao mundo, num momento que observamos a completa desfaçatez ética e moral, onde governadores são presos por dilapidarem o Estado se associando às mais diversas organizações criminosas para se locupletarem e se enriquecerem.
Desculpar-se com o menino Artur, em segundo, a doentia sociedade que sustenta levianamente o tráfico de drogas, a corrupção sistêmica, a indiferença, a imponderada apatia social, numa resignação pusilânime, do que está em volta.
Desculpar-se com o menino Artur, a corrupção, a edificação do estado paralelo que só é possível com o consentimento da polícia despreparada, mal paga, e conivente com a barbárie muitas vezes, como vimos o noticiário de que o 7º BPM de São Gonçalo-RJ, onde dezenas de policiais foram denunciados por associação ao tráfico e outros crimes, assim como a politicagem desprovida de qualquer decência.
Desculpar-se com o menino Artur nosso arcaico Poder Judiciário celetista, segregador e corrupto que é co-responsável pela impunidade da justiça lenta, gradual e parcial que temos.
Desculpar-se com o menino Artur os que renunciam valores, princípios em nome do pragmatismo insano, da escravidão do consumo, da desumanização, do retrocesso primitivista que a dita “modernidade” nos propõe.
Desculpar-se com o menino Artur pela indelicadeza, da falta de afago, pelo desamor que abruptamente o agrediu sem ensejo, sem conhecê-lo, sem defesa.
Desculpe, menino Artur, pelo desabafo, pelo desconforto ao ver sua luta, sua bravura num Brasil que não te faz jus, numa sociedade que não te merece, num ambiente tão inóspito para sua existência.
Desculpe, aos meninos e meninas, vítimas do abandono insensível, de um Brasil que não cuida de suas crianças e não as protege.
Só posso desejar a vocês força, e que vocês possam fazer diferente do que esses adultos indignos fizeram e fazem contra vocês diariamente.
*Henrique Matthiesen é Bacharel em Direito e atua como professor e conteudista na Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini (FLB-AP).