Caro ministro Carlos Ayres Britto, o senhor escreveu que a Operação Lava Jato “tornou-se um imperativo natural”, que se emancipou de quem quer que seja e se vacinou contra qualquer tentativa de obstrução ou estrangulamento.
Emancipou-se de quem caríssimo Ayres Britto? Emancipou-se da sociedade, da constituição e das leis?
De fato ministro, a Lava-Jato deve servir ao princípio republicano de que “todos são iguais perante a lei”, nos termos da parte inicial do art. 5.º da Constituição Federal; é exatamente por isso que todas as operações como ela devem continuar, mas muito ao contrário do que vossa excelência escreveu, ela não com vida própria, pois o encadeamento dos atos, de todas as providências investigatórias, de todas as diligencias e todas as decisões, devem respeitar a sociedade, a Constituição e as Leis.
Quem tem vida própria num corpo são as células do câncer… No câncer ocorre a proliferação descontrolada de células, o que leva à formação de um tecido anormal: o tumor. Quando há disseminação de células cancerosas para outras regiões do corpo e formação de tumores secundários, trata-se de uma metástase; se a Lava-Jato tiver vida própria, descolada dos interesses da sociedade, ignorando o comando constitucional e as leis, deve ser vista como um câncer.
E talvez seja mesmo, pois há quem diga que ela tomou o rumo que tomou para atender aos interesses das petroleiras americanas, companhias que teriam financiado boa parte do stress institucional que se seguiu à Lava-Jato.
Como assim?
Ora, tudo ia bem até surgir o pré-sal e os interesses do mercado internacional (pelo ganho decorrente da exploração dessa riqueza nacional) haverem colidido com o modelo brasileiro de exploração; o fato teria enfurecido os interesses do mercado, o interesse das companhias pelo controle das reservas petrolíferas. Sabe-se que essas companhias financiam “mundo-a- fora” guerras que ceifam a vida de mulheres, crianças e idosos, tudo para controlar a geopolítica e garantir os lucros dos acionistas. Elas podem bem ter financiado os excessos que testemunhamos na condução do processo que tramita em Curitiba.
Apenas para registro ministro: a riqueza do pré-sal, só nas bacias marítimas de Campos e Santos representa 176 bilhões de barris de petróleo e gás natural (de acordo com o estudo publicado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro), cerca de seis trilhões de dólares. Há ainda quem estime o valor total dessa riqueza em 17 trilhões de dólares.
Mas vamos adiante.
A Operação Laja-Jato, e outras tantas como a Zelotes, por exemplo, só existe porque a sociedade decidiu assim, só existe por que a Constituição autoriza e porque a lei baliza, ou deveria balizar, o “pode, não pode”.
A Operação Lava-Jato e os agentes públicos que a conduzem não podem tudo, não tem vida própria de forma alguma, todas as suas ações, requerimentos e decisões são subordinadas à sociedade, à Constituição e à Lei.
Afirmar que a Lava-Jato “ganhou status de depurado senso de justiça material do povo brasileiro” é uma sandice e, creio o senhor não é um tolo; o povo brasileiro tem um elevado senso de Justiça e de respeito às leis, ao contrário dos aristocratas e dos plutocratas.
A Operação Lava-Jato ganhou enorme publicidade por envolver atores políticos e grande empreiteiros, mas deve continuar porque tem o apoio de toda a sociedade, mas nem os policiais, nem os promotores e nem o Juiz podem fazer “qualquer coisa”, a existência da Lava-Jato é condicionada e orientada pela Constituição Federal e pelas Leis, sem essa limitação claramente caminharemos para um Estado de barbárie.
Do senhor eu esperava mais do que um panfleto que revela ressentimento ministro… O senhor sabe que há documentos que apontam que desde o início os operadores da Lava Jato se utilizam de provas ilegais para manter a competência das investigações na 13ª Vara Federal de Curitiba; por que isso ministro? Isso não causa inquietação ao senhor? Os fins justificam os meios? Mas quais são os fins? Criminalizar a Política, os políticos, o PT e prender Lula?
A História vai revelar e julgar tudo isso Ministro… E não esqueça de que toda a Operação Lava- Jato tem origem em um grampo ilegal; isso mesmo a Lava Jato foi deflagrada em 2014, mas as investigações já aconteciam desde 2006, quando foi instaurado um procedimento criminal para investigar relações entre o ex-deputado José Janene (PP), já falecido, e o doleiro Alberto Youssef, peça central no escândalo da Petrobras. Entretanto, um documento de 2009 da própria PF (Polícia Federal) afirma que o elo entre Youssef e Janene e a investigação surgiram de um grampo que os advogados que atuam no caso classificam como ilegal.
Qual seria a ilegalidade de origem? Tudo começou como admite a própria Polícia Federal, a partir de grampo entre advogado e cliente. E a OAB segue muda, como mudos são todos que se beneficiam dos malfeitos.
Isso mesmo, a conversa grampeada em 2006, é entre o advogado Adolfo Góis e Roberto Brasilano, então assessor de Janene.
O conteúdo da conversa envolve instruções sobre um depoimento, exercício típico e legal da advocacia. Os desdobramentos dessa ligação chegaram, anos depois, a Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e o primeiro delator da Lava Jato. Essa prova contamina todas as provas subseqüentes, trata-se da chamada “teoria dos frutos da árvore envenenada”, evidentemente prova posterior poderá ser mantida como válida, desde que haja uma fonte independente.
Outro aspecto que será esclarecido no futuro é que a “Lava Jato” já deveria ter saído do Paraná, pois os supostos delitos e criminosos que estão sendo investigados na Operação Lava Jato não deveriam estar sendo julgados pela 13ª Vara Federal de Curitiba, pois ele não é o “juiz natural”, princípio previsto na Constituição, para julgar os crimes em questão.
Na Lava-Jato, o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba há muito tempo não é mais competente para julgar casos que remotamente surgiram de investigação no âmbito do chamado caso Banestado. Pelas regras em vigor, praticamente todos os procedimentos seriam ou de competência de Justiças Estaduais ou da Seção Judiciária Federal de São Paulo, porque nestes lugares, em tese, foram praticadas as mais graves e a maior parte das infrações. Há, portanto, violação ao princípio constitucional do juiz natural.
E não é só Ministro…
O senhor não fica desconfiado de investigações longas e sem denuncia? O que buscavam na realidade?
A investigação que culminou na deflagração da Operação Lava Jato, a respeito de crimes de lavagem de dinheiro ocorridos no âmbito do Banestado, no Paraná, tiveram início em 2006. Daquele ano até 2014, se passaram oito anos sem que a Polícia Federal, que comandava a operação oferecesse uma só denúncia contra os investigados. Podemos conviver com uma investigação eterna? Isso não nos aproxima dos Tribunais do Santo Oficio?
Merece que lembremos que em 2013, após sete anos de investigações sobre o Banestado, Sérgio Moro reconheceu as dificuldades para apontar os crimes, mas concedeu um prazo adicional de quatro meses para alguma conclusão. Esse prazo ainda foi renovado por mais três meses após o final. O inquérito foi arquivado, mas serviu como referência para a abertura de outro, que terminou na Lava Jato. Estranho, não?
Penso que a sociedade quer passar o país a limpo, mas não se defende a Democracia atentando contra o Estado de Direito, não se defende a democracia implantando e defendendo um Estado de Policia, desrespeitando a sociedade, a Constituição e as Leis.
(*) Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.