A história costuma ser irônica. Mais uma prova disso é que, duramente criticada inclusive por seus pares de PT, Dilma Rousseff pode ser a via pela qual o próprio PT pode vir a se recuperar como partido, pelo menos em parte. Com toda a crise que levou o Brasil a uma das fases mais obscuras de sua história, Dilma tem protagonizado nas últimas semanas um fenômeno extremamente interessante: sua popularidade cresce a olhos vistos. Mais do que isso: ela está superando a popularidade que poucos (ou ninguém) esperavam que poderia ter.
Dilma merece algumas das críticas já conhecidas, como o caráter centralizador de seus governos e a mediocridade de seus ministros, com algumas exceções, assim como ter entregado alguns de seus ministérios a próceres da direita – e Gilberto Kassab é o mais acabado exemplo. Mas tenho visto de maneira diferente a crítica sobre sua incapacidade de “fazer política”, que, se é procedente até certo ponto, deve ser relativizada. Seria incompetência “não saber negociar” com uma geração de políticos e um Congresso que são a própria materialização da corrupção e do ideário da direita?
A própria Dilma questionou essa crítica, que se faz a ela diuturnamente (e que eu mesmo já fiz), na entrevista a Luis Nassif na segunda-feira 13 (leia aqui). “Atribuía-se a mim (o problema de) não querer negociar. Mas não tem negociação possível com certo tipo de prática”, disse, em referência a Eduardo Cunha e seu bando.
Esse “problema” ou “defeito” de Dilma é, antes, uma virtude.
Minha imaginação me leva, conduzido por Platão, a uma situação. Imaginemos que o Brasil fosse hoje um país que, com todas as suas características (a diversidade principalmente), estivesse no patamar de uma nação desenvolvida e politicamente respeitada, na qual as oligarquias espúrias tivessem sido reduzidas a sombras da história e não mais influenciassem a vida do país.
Nessa hipótese platônica, governando um país que tivesse superado sua triste vocação a colônia, Dilma Rousseff seria uma presidente e líder sofisticada. Que poderia sofrer derrotas e conquistar vitórias políticas, mas não precisaria se submeter à canalha politicagem brasileira. Sem precisar “negociar” com chefes de gangs, Dilma apenas governaria.
Embora acusada de ser uma tecnocrata, ela poderia tocar seus projetos para o pré-sal, por exemplo, o maior tesouro da indústria do petróleo descoberto neste século, e um dos principais motivos do golpe que, como se sabe, tem a mão do imperialismo (leia aqui). Digo que o pré-sal é um dos principais motivos do golpe porque não é o único: nossa água é outro.
Por falar em império, lembremos Barack Obama, para fazer uma comparação. O presidente dos Estados Unidos teve muitas dificuldades a partir de novembro de 2014, quando passou a ter minoria no Congresso. Mas a democracia norte-americana é estável e Obama não ter maioria não significa golpe. Muito longe disso. No Brasil, afrontar o mercado financeiro (como Dilma fez ao rebaixar a taxa de juros Selic entre 2012 e 2013) e se recusar a negociar com bandidos no Congresso foram gasolina no fogo do golpismo.
Por incrível que pareça, Dilma já é um passo à frente do petismo lulista. Com todos os seus erros, ela tem incendiado uma militância até outro dia adormecida, o que parecia absurdo um ano atrás, quando era considerada traidora do programa de governo com o qual se elegeu, e graças à militância do movimento social que, diga-se, deu um caráter muito além do PT a sua eleição.
Acho importante lembrar que, no contexto do apodrecido presidencialismo de coalizão brasileiro, se Dilma é responsabilizada por ser politicamente incompetente, não foi ela, mas Lula, quem fechou acordo com o PMDB de Temer e Sarney.
Não foi certamente à toa que o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, um mestre insuspeito, em artigo publicado na Folha ontem, 17, comparou Dilma Rousseff a Joana d’Arc (leia aqui).
(*) Eduardo Maretti é jornalista, repórter da Rede Brasil Atual (RBA).