Juristas ouvidos pela BBC Brasil apontam que potenciais resultados da votação do processo de impeachment mantida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, ainda podem ser questionados caso o Supremo Tribunal Federal (STF) acolha ações que coloquem em xeque o processo. Eles divergem, no entanto, sobre as chances do STF demonstrar tal entendimento.
Na visão dos especialistas, há a possibilidade de o processo ser questionado caso o STF receba ações relativas à decisão do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA). Mas há discordâncias, no entanto, sobre a força dos argumentos apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU) e aceitos por Maranhão, e a probabilidade de serem acolhidos pelo STF. Há especialistas que enxergam a possibilidade de o Senado votar pelo impeachment e posteriormente o STF acolher ações que peçam a anulação da votação da Câmara; outros, porém, descartam tal cenário, avaliado como “improvável”.
Para Michael Mohallem, coordenador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV-Rio e pesquisador da Universidade de Oxford, a decisão de Renan de manter o rito no Senado pode levar a uma “tragédia política”. “O processo jurídico é como uma camisa de botões. Se você erra um botão, continua abotoando e só percebe que errou lá no final. É inevitável desfazer tudo e começar do zero. Seria uma verdadeira ‘tragédia política’ se Dilma for afastada e Temer assumir, e logo depois o STF anular a votação da Câmara, invalidando todo o processo”, avalia.
Para Mohallem, há vícios “sanáveis” e “não sanáveis” nos trâmites jurídicos do processo de impeachment. E, ainda que a Câmara possa se reunir em plenário e votar sobre a decisão de Maranhão, a palavra final será do STF. “Há duas rotas de deliberações para o anúncio de Maranhão. Uma é política, conduzida pelos deputados na Câmara, e outra é jurídica, conduzida pelo Supremo. Não há hierarquia dos poderes, é óbvio, mas a diferença é que ações e recursos serão julgados pelo STF e tais decisões serão soberanas”, explica.
Para Roberto Batista Dias da Silva, professor de Direito da PUC-SP, não há garantias de que o Supremo se manifeste até quarta-feira. “Renan está apostando que o STF entenderá que não há mérito na decisão de Maranhão e em possíveis ações impetradas nos próximos dias. É possível, sim, que o afastamento da presidente seja colocado em prática e depois revertido”, diz.
Mas apesar de considerar o cenário juridicamente possível, Dias da Silva considera “improvável” que aconteça mais essa reviravolta no processo. “Minha opinião pessoal jurídica é de que o Senado votará pelo afastamento na quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff será afastada, o vice Michel Temer assumirá, e que uma vez judicializadas, a decisão de Maranhão e quaisquer ações posteriores venham a ser consideradas equivocadas pelo STF”, avalia. Entre os argumentos listados por Maranhão em sua decisão anunciada mais cedo estão aspectos considerados pelos juristas como mais técnicos e de menor significância, e outro relativo à condução da votação, que, segundo os especialistas, poderia ter mais chance de encontrar acolhimento no STF. Entre os aspectos técnicos estão o fato de o resultado da votação ter sido comunicado ao Senado por meio de uma resolução, e não um ofício. Renan Calheiros rebateu dizendo que o rito seguiu o mesmo realizado em 1992 no processo contra Fernando Collor.
Outros argumentos citados na petição da AGU apontam que por terem indicado votos “pela família”, por suas cidades, e diversas outras razões, os deputados não estariam votando pelas razões específicas em debate no processo de impeachment. O argumento para anular a votação que poderia ter mais força no STF é o de que o voto dos deputados não poderia ter sido orientado pelas bancadas – ponto de discordância entre os juristas. Para Dias da Silva, da PUC-SP, isso não tende a encontrar ressonância.
“Não vejo como um argumento de consistência jurídica por se tratar de uma votação política. Outra questão é que vimos diversos deputados votando de forma diferente do que o orientado por suas bancadas, ou seja, a orientação não teve caráter vinculante e não maculou a votação”, avalia. Juristas divergem quanto a possibilidade de Senado aprovar impeachment e posteriormente STF acolher ações que tragam processo de volta à Câmara dos Deputados Já Mohallem, da FGV-Rio, analisa a questão sob outro prisma. Para ele, resta saber se houve deputados que só votaram junto com suas bancadas por temerem sanções ou até expulsão de seus partidos.
“O entendimento da AGU e de Maranhão é de que esse procedimento maculou de forma irreversível o processo e que a votação deve ser refeita. É um argumento considerável, e resta saber como o STF se pronunciará assim que provocado por ações a respeito do tema”, opina. O jurista avalia que a decisão do presidente do Senado de manter a votação de quarta-feira apesar das reviravoltas e das ações pendentes no STF aumenta o grau de incerteza e dúvida em torno de todo o processo.
“Seria muito mais cauteloso que o Senado aguardasse uma posição oficial quanto ao anúncio de Maranhão antes de prosseguir”, diz. Thiago Bottino, professor de Direito da FGV-Rio, avalia que há a possibilidade de o STF acolher o argumento da AGU, aceito pelo presidente interino da Câmara em sua decisão, de que o voto dos deputados não poderia ter sido orientado por seus partidos. Segundo o artigo 23 da Lei do Impeachment, de 1950, “encerrada a discussão do parecer, será o mesmo submetido a votação nominal, não sendo permitidas, então, questões de ordem, nem encaminhamento de votação”. Na opinião de Bottino, “se o STF entender que houve encaminhamento de votação, anula o impeachment”