Mais de 50 mil pessoas, segundo os organizadores, participaram dos dois atos realizados ontem (11/4) no Centro do Rio de Janeiro contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff com a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do compositor Chico Buarque e de vários outros artistas e intelectuais.
O ato “Cultura pela Democracia”, convocado pela Frente Brasil Popular, foi dividido em duas partes. A primeira começou às 17h, dentro da Fundição Progresso, onde cerca de 5 mil pessoas viram discursos de artistas, juristas e intelectuais. Depois, em um palco armado nos Arcos da Lapa, foi a vez de Lula e de políticos discursarem, a partir das 20h.
Ao todo, cerca de 300 artistas e intelectuais assinaram o manifesto contra o processo de impeachment da presidente – entre eles, Wagner Moura e Caetano Veloso, que não estavam presentes devido a compromissos no exterior.
Também participaram dos atos a sambista Beth Carvalho, que cantou o ‘samba contra o golpe’, a atriz Letícia Sabatella, o teólogo Leonardo Boff, o escritor Eric Nepomuceno e os dramaturgos Aderbal Freire Filho e José Celso Martinez Correa.
Militantes do PDT somaram na multidão, levando bandeiras e palavras de ordem. Integrantes de diversos movimentos sociais também estão presentes, como UNE, MST, CUT, Unegro, Federação Única dos Petroleiros (FUP), além de militantes dos PT, PCdoB, PSOL .
Do lado de fora, nos Arcos da Lapa, uma multidão acompanhou o ato na Fundição Progresso pelo telão, enquanto aguardava o pronunciamento do ex-presidente Lula, do lado de fora.
O manifesto, lido pelo escritor Eric Nepomuceno, chamou de “ressentidos da derrota e aventureiros do desastre” os apoiadores do impeachment no Congresso.
“Entendemos claramente que o recurso que permite a instauração do impedimento presidencial integra a Constituição Cidadã de 1988. E é por respeito a essa Constituição que seu uso indevido e irresponsável se constitui um golpe institucional. Quando não há base alguma para sua aplicação, o que existe é um golpe de Estado”, diz o texto.
No palco, os artistas fizeram menção às pesquisas de intenção de voto, divulgadas pelo instituto Datafolha, no domingo, e também a falta de “fundamento jurídico e crime de responsabilidade” no pedido de impeachment que tramita no Congresso. Citado pelo dramaturgo Aderbal Freire Filho, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi vaiado pelo público.
Na Fundição, também discursaram os dramaturgos Aderbal Freire Filho e João das Neves, os juristas Juarez Tavarez e Luiz Moreira, o ator Gregório Duvivier, a indígena Sonia Guajajara, o cineasta Luiz Carlos Barreto, o escritor Leonardo Boff, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, e os músicos Chico Buarque, Beth Carvalho, Tico Santa Cruz, Flávio Renegado e Nelson Sargento, que ganhou um beijo de Lula na cabeça.
“Eu não ia dormir sossegado se eu não viesse aqui hoje”, declarou Sargento, aos 91 anos. Recebeu um beijo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não discursou.
Chico Buarque disse que inicialmente não falaria, por já ter discursado em ato anterior, no Largo da Carioca, em 31 de março, mas ficou sensibilizado com os gritos de “Chico, eu te amo” ao chegar. “Nós amamos essa energia toda. Estaremos juntos em defesa da democracia. Não vai ter golpe”, disse o artista.
O ator Wagner Moura, que não pôde comparecer, mas falou ao vivo via conferência digital, exibida no telão. Ao fim dos discursos, Beth Carvalho cantou uma música composta por ela: “Não vai ter golpe de novo, reage, reage meu povo”, dizia a letra.
Antes, foi apresentado oficialmente um manifesto pela democracia, assinado por nomes como Chico Buarque, Leonardo Boff e os escritores Fernando Morais e Éric Nepomuceno. O documento afirma que o impeachment é um golpe branco contra a democracia. Também estiveram presentes os políticos Marcelo Freixo, Carlos Minc e Lindbergh Farias, entre outros.
BETH CARVALHO
A sambista Beth Carvalho deu literalmente o tom no ato que reuniu artistas e intelectuais. Ela encerrou as falas com uma sugestão: “Proponho construir uma rede democrática de comunicação em defesa da legalidade tal como fez o inesquecível (Leonel) Brizola em 1961”. A cantora defendeu que essa rede tenha, como “cabeça”, a EBC, TV Brasil, Rádio Nacional, TVT, TVs educativas, rádios comunitárias “e todos os que quiserem participar e quiserem ajudar a derrotar esse golpe”.
“Essa ferramenta faria contraponto para mobilizar o povão que não tem alternativa de informação”, acrescentou Beth Carvalho, que entoou um samba recém-composto: “Não vai ter golpe de novo/ reage, reage meu povo”.
Também muito aplaudido, o teólogo Leonardo Boff usou bom humor: “É muito bom eu falar por último, para fazer o sepultamento do impeachment”, afirmou. “Eles também (os golpistas) falam em democracia. A democracia dos ricos. Democracia para os ricos nós não queremos. Queremos uma democracia social inaugurada por Lula e Dilma. Queremos uma democracia participativa, que enriqueça a democracia representativa, que vem de baixo, onde os movimentos sociais contam. A crise trouxe a pergunta: que Brasil nós queremos? As ruas estão mostrando.”
O cineasta Luiz Carlos Barreto, o Barretão, declarou que “não é uma passeata de 3 milhões de pessoas que vai anular o voto de 53 milhões”. Ele disse também que o impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff está sendo desencadeado pelos sonegadores de impostos do país. “Em 2015, a sonegação chegou a 415 bilhões de reais. São dez programas Minha Casa, Minha Vida que ficaram nos bolsos de quem sonega.”
Segundo Barreto, a tentativa de golpe contra Dilma precede “um segundo golpe que pretende impedir que o presidente Lula concorra nas eleições de 2018”. O cineasta pediu que as mobilizações não parem mesmo após os movimentos em defesa da democracia vencerem a “batalha do impeachment”.
Em um dos depoimentos mais emocionantes, o cantor e compositor de rap, funk, hip hop Flavio Renegado declamou um poema e afirmou: “A periferia está organizada. As comunidades nunca se calaram. O Brasil nunca ouviu as comunidades. Nós sempre sobrevivemos a tudo e vamos sobreviver ao golpe”.
O ator Wagner Moura apareceu em vídeo. Reconheceu que nunca votou em Dilma Rousseff, mas observou que a democracia está sofrendo ataques. “Tenho sido um crítico duro do governo Dilma. Eu nunca votei nela, mas 54 milhões de brasileiros o fizeram. Se nossa democracia não fosse frágil, não estaria sendo atacada e correndo risco. Mas ela avançou, e isso graças aos governos Lula e Dilma.”
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, disse que a “mobilização é crescente no Brasil contra o golpe” dos que “namoram abertamente com o fascismo”. “A cada dia (o número) dos que são manipulados pelos meios de comunicação de massa é menor.” O ministro defendeu a construção de “uma ampla frente democrática” para enfrentar os problemas “depois de vencermos o impeachment”.
Veja, em vídeo, a íntegra do discurso do Lula
https://youtu.be/SJz1rotv_JQ