A concentração de 300 mil pessoas na Avenida Paulista, no Centro de São Paulo, a favor do governo da presidente Dilma Rousseff e apoio à nomeação
do ex-presidente Lula para a Casa Civil do Palácio Planalto foi o ponto alto das manifestações de rua que aconteceram ontem (18/3), sexta-feira, por todos os estados brasileiros, inclusive Brasília, em resposta as passeatas contra o governo e a favor do impeachment realizadas domingo passado.
Multidões de milhares de pessoas também se formaram no Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Brasília e outras capitais gritando palavras de ordem contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ); contra a Rede Globo de Televisão e sua campanha pelo impeachment da presidente Dilma; contra a operação Lava Jato e o juiz Sérgio Moro e contra, também, os parlamentares de direita que querem o fim da Lei da Partilha, o enfraquecimento da Petrobras e a presença de empresas estrangeiras na exploração do pré-sal.
Lula, em seu discurso de 22 minutos na Paulista, acusou a oposição de não aceitar o resultado das urnas em 2014 e de instilar o ódio na sociedade. “Democracia é acatar o voto da maioria”, destacou. Segundo Lula, todos precisam respeitar a democracia.
“Nós temos que convencê-los que na democracia a gente tem que acatar o voto da maioria do povo brasileiro”.
“Quando a presidenta Dilma ganhou, eles [da oposição], que se dizem pessoas evoluídas e estudadas, não aceitaram o resultado e faz um ano e três meses que estão atrapalhando a presidenta”, afirmou Lula, recém-nomeado ministro da Casa Civil.
“Eu acho muito engraçado que essa semana inteira alguns setores ficaram dizendo que nós somos os violentos. E tem gente que prega a violência contra nós 24 horas por dia.”
Lula relembrou as ocasiões em que disputou eleições e saiu derrotado.
“Em nenhum momento eu fui pra rua protestar contra quem ganhou”, diz.
Apesar do áspero tom do discurso, embalado pelos gritos de “não vai ter golpe” da multidão, o ex-presidente enfatizou várias vezes ser preciso respeitar as divergências políticas.
“Esse País tem que ter uma sociedade harmônica. Democracia é a convivência da diversidade. Eu quero que a gente aprenda a conviver de forma civilizada com as nossas diferenças.”
Lula disse também:
“Não nos tratem como inimigos. Não veja ninguém de vermelho como se fosse inimigo. A nossa bandeira verde e amarela está dentro da nossa consciência e do nosso coração.”
E completou: “Temos que convencêlos que democracia é a acatar o resultado do voto da maioria do povo brasileiro”.
“Não existe espaço para ódio neste país.”
Em outro trecho do discurso, o petista disse que há tempo para ele e Dilma reformarem o governo. “Dois anos e dez meses com a Dilma são tempo suficiente para virar a história deste país.”
Lula, que ainda depende de decisão judicial para assumir a chefia da Casa Civil da Presidência na semana que vem, na terça-feira, disse também que está pronto para desempenhar o cargo. Argumentou que chegará ao governo para ajudar a presidente.
“Relutei muito, desde agosto do ano passado, para aceitar vir para este governo. E ao aceitar, vejam o que aconteceu comigo – por isso virei outra vez o ‘Lulinha, paz e amor’. “Não vou lá para brigar, vou para ajudar a companheira Dilma a fazer as coisas que ela tem que fazer neste país.” Em um pedido de voto de confiança, Lula disse que a presidente Dilma sabe que ele pode dialogar com os mais diferentes setores da sociedade.
“Dilma sabe que eu posso dialogar com trabalhador, com semterra, com pequeno empresário, com médio empresário, com grande empresário, com fazendeiro, com banqueiro.”
Segundo ele, até 2018, há tempo “suficiente para virar a história deste país”.
“Eu entrei para ajudar a presidente Dilma. Precisamos restabelecer a paz e esperança e provar que este país é maior do que qualquer crime do planeta terra, e que este país vai sobreviver e vai ter fé.” A fala de Lula foi algumas vezes interrompidas por aplausos e gritos dos presentes, que, segundo o petista, estavam lá “porque sabem o valor da democracia”.
Numa dessas pausas, seguiu o coro de “não vai ter golpe”, numa referência aos pedidos de impeachment da presidente.
“Eu não quero diminuir ‘eles’ para subir, disse Lula, “se eles podem comer três vezes por dia, nós também temos o direito de comer, se eles podem estudar, nós também temos o direito de estudar, por isso, não os tratem como inimigos”, avisou.
“Falam em democracia, mas não acreditam. Acham que o povo não tem direito a educação, salario e moradia. O povo brasileiro aprendeu que democracia não é direito morto que nunca foi regulamentado na constituição. O povo não quer que democracia seja palavra morta. O povo quer estudar de verdade, comer de verdade, acesso à educação de verdade.
Não quer só ler na constituição. Ele agora quer saúde, fies, enem, escola técnica, isto é conquista da democracia”.
Lula lembrou do diferencial desta manifestação.
“Não estamos aqui porque teve metro de graça, porque foi convocada pela imprensa, essas pessoas que estão aqui sabem o valor da democracia, sabem o valor do pobre subir um degrau da escala social deste país, de uma filha de empregada doméstica chegar a universidade. Um jovem fazer um curso técnico. E é esse país que queremos construir”, completou.
“Gente, a única coisa que eu quero, é ajudar a presidenta Dilma, acho que temos que reestabelecer a paz, a esperança, precisamos recuperar a alegria e a autoestima do brasileiro”.
“Não vamos aceitar o fim da democracia e nenhum golpe no país”, disse levantando o público com a mesma palavra de ordem.
“Eles têm que saber que essas pessoas que estão aqui de vermelho são parte daqueles que produzem o pão de cada dia do povo brasileiro”.
“Tem gente nesse país que fala em democracia só da boca para fora. Eu perdi as eleições de 1989, eu perdi as eleições de 94, eu perdi as eleições de 98, lá em 82 eu perdi as eleições para o governo de São Paulo e em nenhum momento eu fui protestar contra quem ganhou as eleições”.
Sobre o governo, Lula disse que falta apenas dois anos e alguns meses para terminar o mandato de Dilma, mas que para ele, é tempo suficiente “para virar a história do país, o povo voltar a ser feliz”. E citou a necessidade da reforma agrária, de ter mais Fies, Pronatec, gerar mais renda e trabalho.
O quase ministro disse que na próxima terça-feira (22) estará “orgulhosamente servindo a presidente Dilma, servindo ao povo brasileiro”. E ressaltou que é importante para a presidenta Dilma ouvir o apoio do povo.
“É importante a Dilma ouvir o que vocês estão falando… Aqui em São Paulo tem muita gente dizendo que não vai ter golpe”. E pediu para levantarem a mão para fotografar e ele mostrar à presidenta. Lula finalizou o discurso pedindo para não aceitarem a provocação “deles”. “Quem quiser brigar que morda o próprio dedo! ”, completou.
Ao término do discurso centenas de manifestantes se voltaram para a sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que apoia os protestos pró-impeachment, ao berros: “Golpistas! Golpistas!”.
Cinegrafistas de emissoras de tevê estavam posicionados na marquise do prédio, e também foram alvos de vaias, sobretudo os da Rede Globo.
Antes de confirmar presença na manifestação da Paulista, Lula consultou petistas e líderes de movimentos sociais. Havia o temor de confrontos, caso os grupos a favor e contra o governo viessem a se encontrar. O ex-presidente cedeu, porém, ao argumento de que o ato seria decisivo para fazer um contraponto à mobilização pró-impeachment.
Pela manhã, a Polícia Militar dispersou, com bombas de gás e jatos d’ água, um grupo favorável ao impeachment de Dilma que permanecia acampado em frente à sede da Fiesp, a menos de um quarteirão do Masp, onde estava montado o palanque principal do ato pró-governo. O ato foi convocado pela Frente Brasil Popular, que reúne mais de 60 organizações sindicais, movimentos sociais e entidades estudantis, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE).
“Este é um ato de todas as entidades brasileiras, de homens e mulheres que defendem a democracia, que defendem o direito de expressão, as liberdades individuais. Que não defendem o ódio, que não constroem o ódio na sociedade. Não é um ato de única classe social e não é um ato de uma única etnia. É um ato de todos os brasileiros e brasileiras”, discursou o presidente da CUT, Vagner Freitas, na abertura do evento.
Carina Vitral, presidente da UNE, enfatizou que o combate à corrupção é “fundamental”, mas a sociedade não pode fechar os olhos para os “abusos” da Lava Jato. A líder estudantil também se ressente do clima de intolerância política, e queixa-se dos atos de vandalismo praticados contra a sede da UNE no sábado 12. “O último ataque contra nossa sede ocorreu em 1º de abril de 1964. O primeiro ato da ditadura foi invadir e incendiar o prédio da UNE, na Praia do Flamengo 132”, rememora.
Apesar de reconhecer o crescimento das mobilizações pró-impeachment neste ano, Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, avalia que a maior parte da população não incorporou o “discurso raivoso” da direita, e haverá uma forte reação popular ao “golpe”.
“Hoje, demonstramos de forma categórica nas ruas que haverá resistência ao golpe. Eu não estou aqui para defender esse governo, mas para resistir a essa escalada golpista que ameaça a democracia e as liberdades individuais”, discursou Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), no ato da Paulista.
Atos em todo o país
Em Brasília, a manifestação se concentrou em frente ao Museu da República, no início da Esplanada dos Ministérios. Políticos como o ex-ministro Gilberto Carvalho e deputados do PT e da base aliada fizeram discursos e dividem o carro de som com artistas locais, que apresentaram músicas intercaladas com palavras de ordem. Manifestantes de movimentos sociais também discursaram e pediram mudanças nas políticas do governo.
Em Salvador, os manifestantes se reuniram no Campo Grande, em um ato que superou o pró-impeachment realizado em 13 de março. Nesta sexta-feira, foram 70 mil pessoas à manifestação segundo a Polícia Militar, enquanto no domingo foram estimadas 20 mil pessoas. Na capital baiana, houve críticas ao juiz Sérgio Moro e à tentativa de destituir Dilma.
No Rio de Janeiro, os manifestantes se concentraram na Praça XV, no centro do Rio, e levaram inúmeras faixas e bandeiras com mensagens de diversos setores da sociedade. Muitas defendem a permanência da presidenta Dilma Rousseff e dão apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Ministro Lula estamos com você”, dizia uma delas.
No Recife, a concentração ocorreu na área central da cidade, mas os manifestantes caminharam cerca de três quilômetros até a Praça da Independência, no bairro da Boa Vista. Políticos como o vice-prefeito da cidade, Luciano Siqueira (PCdoB), a deputada estadual Teresa Leitão (PT), a vereadora Marília Arraes (PT) e o vice-líder do governo na Câmara, Sílvio Costa (PTdoB-PE), estiveram no ato. Os manifestantes exibiram bandeiras em defesa de programas sociais do PT e também com críticas ao juíz federal Sérgio Moro.
Em Porto Alegre, o ato reuniu ao menos dez mil pessoas, segundo a Brigada Militar. A manifestação começou na Esquina Democrática e teve uma caminhada em direção ao Largo Zumbi dos Palmares.
Em Belo Horizonte, a praça da Estação foi o ponto de encontro dos manifestantes. Se reuniram 100 mil pessoas segundo os organizadores e 18 mil de acordo com a Polícia Militar. Entre os diversos cantos entoados, estava o “Direita recua, o povo tá na rua”.
Em Fortaleza, a manifestação começou na Praça do Ferreira, no centro da cidade, e contou com a presença de 7 mil pessoas, segundo a PM. O Movimento Juristas pela Legalidade e pela Democracia aproveitou o ato para se manifestar contra a decisão da OAB-CE de apoiar o impeachment.