Getúlio Vargas, segundo Leonel Brizola
por Osvaldo Maneschy
Getúlio Vargas sempre foi o principal Norte político de Leonel Brizola. Admirador das políticas públicas, do nacionalismo e da retidão pessoal do Presidente da República que preferiu dar um tiro no coração a viver com desonra, Brizola, além de fiel discípulo, foi um multiplicador do ideário Trabalhista, um continuador da obra de Vargas a sua vida inteira. A Carta Testamento de agosto de 1954, na opinião de Brizola e de seu amigo Darcy Ribeiro, é o maior documento político da História do Brasil.
Tão importante que a tinha escrita em bronze, sobre madeira, presente de trabalhadores do Rio Grande do Sul, na parede da sala de seu apartamento em Copacabana – lugar onde passou a viver após 15 anos de exílio e só recebia quem era seu convidado até junho de 2004, quando faleceu.Neste ano de 2012, 58° aniversário da morte de Getúlio Vargas, trago para reflexão dos companheiros do PDT duas das muitas falas de Leonel Brizola sobre Getúlio Vargas, gravadas por mim em diferentes oportunidades no ano de 2.000, ambas inéditas na forma escrita, transcritas pelo companheiro Ápio Gomes, que é co-autor comigo do livro “Leonel Brizola, a Legalidade e Outros Pensamentos Conclusivos”, da Editora Nitpress, lançado no Rio de Janeiro em fevereiro deste ano.
O primeiro dos discursos foi feito no dia 19 de setembro de 2000, durante jantar com evangélicos na Churrascaria Estrela do Sul, no Maracanã, quando Brizola disputava a eleição para Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro – preocupado em manter o PDT unido em torno de sua liderança, à época disputada pelo governador Garotinho. Nele Brizola fala da Monarquia, da República Velha, do surgimento da Aliança Liberal, da Revolução de 30, da Guerra na Europa, no Queremismo, da eleição de Dutra e do auto-exílio de Getúlio, em São Borja (RS).
No segundo, mais longo, feito no dia 24 de maio de 2000, nas celebrações dos 20 anos de fundação do PDT, Brizola fala em detalhes na sede da Fundação Pasqualini, também no Rio, da formação do PTB e de sua participação pessoal nessa tarefa, onde contesta a versão de que Vargas criou o PSD e o PTB para manobrá-los – “Isto é uma inverdade”; ele enumera as diferenças básicas entre o PSD e o PTB; ele fala dos inimigos de Vargas reunidos na UDN; lembra a surpresa – até dos próprios comunistas – quando Luis Carlos Prestes, recém libertado da prisão, aderiu à tese da Constituinte com Getúlio; detalha a saída de Vargas do poder em 1945, “não foi uma deposição, foi uma renúncia!”; e relata o nascimento do PTB pelas mãos do ex-Ministro do Trabalho Marcondes Filho e o seu trabalho e suas andanças, ao lado do sindicalista José Vecchio, para a fundação do PTB gaúcho.
Brizola também fala detalhadamente das eleições de 46, e da traição a Vargas, tão logo Dutra se elege Presidente da República. Fala da volta de Vargas ao Poder e do tiro que ele desferiu no peito, mudando o rumo da História do Brasil. Dois textos para ler e guardar.(Parte 1 – 19 de setembro de 2000, jantar com Evangélicos)
Texto gravado por Osvaldo Maneschy e transcrito por Ápio Gomes
(Parte 1 – 19 de setembro de 2000, jantar com Evangélicos)
“Vocês sabem que, depois da queda da monarquia, nós tivemos um período republica no chamado de República Velha. Nós tínhamos uma meia democracia. Quem sabe, até menos do que seria uma meia democracia. O voto era aberto. Não havia voto secreto; por conseguinte,os poderosos da época vigiavam as pessoas, especialmente os mais fracos para ver como votavam. Os votos eram listas que cada um escrevia e apoiava.
Foi um período muito difícil, porque da monarquia – daquela nobreza – houve uma espécie de ampliação da classe dirigente, com a inclusão dos chamados integrantes da Guarda Nacional,dos coronéis do interior. Então, a democracia da República Velha era uma ampliação. Era tão deficiente, que a mulher era considerada menor de idade: não tinha direito algum; não votava.
Os trabalhadores não tinham rigorosamente nada. Eles não tinham horário de trabalho. Os menores também não tinham qualquer regulamentação; muito menos férias, muito menos qualquer tipo de garantia. E os trabalhadores eram verdadeiras ilhas pelo país:eram os trabalhadores da borracha, das salinas, dos canaviais, dos portos, dos cafezais, das charqueadas. Eles não tinham ligações uns com outros, porque não havia organização sindical.
Enfim: era uma vida civil-militar; uma democracia muito limitada. Só quem tinha direitos éramos poderosos. Em geral, as pessoas simples eram envolvidas por aqueles chefes políticos:muitas vezes, entregando as suas vidas. Depois, o que funcionavam eram os acordos em cima– passando por cima de milhares e milhares que deram suas vidas, as suas existências em função do movimento político.
Então, a Revolução de 30 que surgiu foi uma reação contra aquele estado de coisas. Getúlio Vargas era um homem da aristocracia rural. Ele estudou: fez a faculdade de direito. Ele fez uma carreira política elegendo-se deputado estadual, deputado federal; e foi Ministro da Fazenda do último governo daquele período. Depois voltou e foi eleito governador do Rio Grande do Sul.
Aí, houve uma campanha política, em 1929, chamada ‘Campanha da Aliança Liberal’. Eles uniram alguns setores da vida nacional e fizeram uma campanha com a plataforma onde estavam esses direitos: do negro, da mulher; e o reconhecimento de certos direitos dotrabalho.
Fizeram uma pregação pelo Brasil. Mas as eleições eram daquele jeito, não é? Não eram secretas. E a estrutura existente pelo país praticamente assumiu as eleições. Então, perderam oficialmente. Mas levantaram a questão da fraude. Denunciaram a fraude. E, a partir daí,começou todo um movimento visando a mudar aquela situação. E aí surgiu a Revolução de1930.
Havia uma plataforma, mas não eram muito claras as idéias. Getúlio Vargas chegou ao Rio de Janeiro e, a partir dali, começou uma nova situação no país, um tanto confusa; depois se levantou uma reclamação por parte de São Paulo muito forte – a Revolução de 32 –reclamando o estado de direito.
O fato é que naquele período ali foi que, no Rio de Janeiro, as coisas se cristalizaram, e começou a surgir todo esse conjunto de leis, tanto em relação aos direitos humanos (aos trabalhadores), quanto à mulher; e quanto também à educação e ao desenvolvimento econômico.
O país começou a se sentir a si próprio, a partir daquele período.
É verdade que houve um período de discricionalidade, que acusam muito Vargas por isso.Eu conheço por dentro o assunto: aquele período sairia com Vargas, sem Vargas ou contra Vargas.
O problema mais era de segurança nacional e militar, porque crescia o Hitler, na Alemanha; Mussolini, na Itália; e os japoneses: formava-se o quadro da guerra. E os militares achavam que o país precisava ter um regime forte para poder enfrentar as ameaças dos períodos da guerra. E eles acharam que Getúlio Vargas podia ser o civil que fosse uma espécie de mediador daquela situação.
Bem, o fato é que o país teve grandes avanços.
Vencida a guerra, criou-se um movimento de redemocratização. Já havia desconfiança sobre como redemocratizar. Uma corrente – da UDN, inimiga de Vargas (liberais) – achava que devia haver eleições simplesmente; depois acharam que devia ter eleições sem Vargas. Os militares entenderam também. Havia um movimento popular nas ruas que queria a constituinte com Getúlio Vargas.
Foi um período confuso, e Vargas caiu. Ele, aliás, renunciou (eu ouvi dele próprio). Podia resistir, mas para não haver derramamento de sangue ele preferiu ir embora. Foi.
Dali a um mês e meio, dois meses, eleições. Ele indicou o general Dutra como candidato, que competiu com o candidato da UDN, que era contra ele, e venceu.
Mas Dutra era conservador. Havia muita… Falava-se, naquele tempo, em rejeição a Vargas.Quer dizer: os empresários ricos ficaram contra Vargas; os militares, contra Vargas; os grandes impérios estrangeiros, contra Vargas; os grandes fazendeiros, contra Vargas. Todos eram contra Vargas. Todos os que ele patrocinou no governo dele (eram governadores, eram prefeitos, eram…) ficaram contra Vargas.
Ele só ficou com os sindicatos dos trabalhadores e os trabalhadores.
Bom, nesta confusão, organizaram um partido chamado Partido Social Democrático (que de social e democrático não tinha nada: era só o nome… Eram conservadores), que era a máquinado governo dele, Vargas.
Vargas era um homem interessante: era baixinho, risonho; ele falava mais por metáforasalegres. Quando perguntavam ‘como é que o senhor tem essa quantidade de gente conservadora?’, ele dizia: – ‘Ah, eu gosto de fazer política de esquerda com gente de direita’.
O fato é que, quando ele caiu, toda aquela máquina que formava o Partido Social Democrático ficou contra ele; inclusive o genro dele, o irmão dele. Ele ficou sozinho. Só com ele ficaram os trabalhadores com seus sindicatos.
Não havia divisão entre os sindicatos. Havia sindicatos – muitos sindicatos – filiados ao Partido Comunista. Não ficaram contra Vargas (não ficaram com ele, mas contra não ficaram). O grosso dos sindicatos ficou com Vargas.
Ele ficou lá no Rio Grande do Sul, em São Borja. Eu costumo dizer: na casa dele… cresceu o pasto sob a porta da casa dele. Não ia ninguém lá. Os políticos deixaram completamente Vargas. Ele ficou lá. E foi crescendo, pelo país, um movimento – ia ao muro e escrevia: ele voltará!
Ele voltará! Ele voltará! Ele voltará! Pelo Brasil inteiro.
E foi crescendo um movimento que, nesta época…
Faltou este detalhe: no meio daquela confusão ali que se formava o Partido Social Democrático; eles reservaram para os sindicatos um departamento trabalhista deste partido.
O Ministro do Trabalho, que era um advogado paulista de sindicato – Marcondes Filho. Ele foi autor da Consolidação das Leis… da legislação trabalhista. Ele não gostou daquilo: – ‘Isso é humilhante; não nos botam em direção nenhuma; nós temos um departamento aqui? Muito bem. Nós, então, vamos criar um partido’.
E lançou dez pontos – o Partido Trabalhista Brasileiro –, mais ou menos imitando o Partido Trabalhista Inglês, que, nesta época, era vitorioso sobre o Churchill, que era herói da guerra.
Algumas comissões provisórias pelos estados. Nada mais! Elegeram, acho que 16 deputados para a Constituinte. Marcondes Filho foi eleito senador por São Paulo; e Getúlio eleito senador pelo Rio Grande do Sul.
Foi se passando o tempo. E a reclamatória pela volta do Getúlio por toda parte.
Quando chegou em 50, ele se candidatou pelo PTB, pelo Trabalhismo, que, nesta altura,já contava com uma estrutura nacional (pequena); mas, ele praticamente sozinho. Então, diziam ‘lá vem o Getúlio com seu jardim de infância’: era o João Goulart, era eu, era o Francisco Brochado da Rocha – éramos uns garotos. Éramos uns guris, jovens, adolescentes. Agente encontrava um amigo aqui, outro ali…
Nós nos dedicávamos às organização do partido, da maneira mais interessante, lá no Rio Grande do Sul. Vocês vejam: nós saíamos numa camionete velha para uma cidade; de segunda classe, no trem.
Tinha um líder sindical lá, chamado José Vecchio, que era o nosso chefe. E andávamos com ele na maior humildade. Não tínhamos nada.
Um dia, nós fomos à cidade de Caxias – uma cidade industrial. Ficamos todo o dia caminhando e não encontramos ninguém que quisesse assumir a organização do partido. E estávamos,
finalmente, tomando um café com leite (um dia de inverno) para ir embora. No café, eu chamei ‘José Vecchio, olha atrás daquela caixa ali; vê aquele sujeito que atende a caixa e vem com a bandeja, servir também aqui? Ele tem um retrato do Getulio atrás. Quem sabe a gente conversando com esse camarada para organizar?’.
Depois, ele veio servir ali, nós conversamos com ele, sentou um pouquinho, e ele: ‘Tá, eu aceito; eu aceito organizar’. Ali começou o partido em Caxias. Este homem foi vereador duas vezes; foi deputado estadual; foi prefeito de Caxias; foi deputado federal; e foi secretário de estado por várias vezes.
E assim foi a história do partido em toda a parte do Rio Grande do Sul, organizando, com humildade. E se foi projetando.
Então, na primeira eleição que tivemos lá para governador, que foi a candidatura do Pasqualini, o partido deu um salto: elegemos 23 deputados. Gente humilde. Eu quero dizer o seguinte: tinham dois pastores da Assembléia de Deus. Bom foram 23.
O nível nosso era muito baixo; e aí eu me elegi deputado. Eu era estudante de engenharia,ajudando a fundar o partido, presente lá no movimento jovem…
E o Getúlio se candidatou sozinho. Percorreu o país. Tenho o roteiro das cidades onde ele andou. E, de repente, veio o resultado da eleição, com a força, e ele ganhou. Não havia – claro– computadores; não havia urnas eletrônicas; não havia nem televisão: era rádio. Ele falava lá em Campina Grande, e gente ouvia, porque sempre tinha um rádio importante que…
Ganhou em São Paulo! No Rio, aqui, foi uma avalanche. Se elegeu por maioria absoluta; e o Partido Trabalhista fez bastante deputados. Os outros aderiram, e nós fomos evoluindo.
Quatro anos depois, houve aquela tragédia do 24 de agosto: ele se suicidou. Porque havia um ambiente já de golpe de estado, por causa da Petrobras, dos conflitos, tudo isso aí. Ele sentiu. E não quis ser humilhado. Ele ia ser humilhado. Ia ser derrubado. Pressão americana muito grande; cresce no estrangeiro, em outros países. E ele se suicidou e deixou aquela carta.
A Carta-testamento é um documento digno de ser lido, porque ele é generoso; ele é um texto humano; muito forte.
(Parte 2 – 24 de maio de 2000 – Palestra na Fundação Pasqualini)
Já havia uma decisão em torno de uma reconstrução democrática. Os partidos se organizavam.
O partido que se organizou no governo foi o Partido Social Democrático, o PSD. Praticamente
foi a máquina do governo: os ministros eram da comissão executiva nacional; os governadores
(os interventores estaduais), presidentes, dirigentes, com seu secretariado, do PSD nos
estados; e os interventores municipais, os presidentes e dirigentes do partido oficial nos
municípios.
E os sindicatos, que surgiram nos tempos de Vargas, com toda força? E as lideranças
populares? Então, reservaram um departamento neste partido: era o Departamento
Trabalhista. O Ministro do Trabalho era um jovem advogado trabalhista de São Paulo,
Marcondes Filho. Então, convidaram Marcondes Filho para dirigir o departamento.
Vargas, praticamente, já vivia um momento de conflito com aquele quadro, porque o partido,
embora se chamasse Partido Social Democrático, era de essência conservadora: essência
conservadora! Ele não estava satisfeito, mas era de seu temperamento não estar criando
problemas.
E as massas populares começaram a reagir contra tudo aquilo. Criou-se um movimento
chamado ‘Queremismo’ – queremos Getúlio: queremos uma constituinte com Getúlio.
Prestes estava preso. Os inimigos de Vargas, que formavam a UDN, faziam grande comícios.
Claro: lá estava a esquerda; estava o Partido Comunista junto com a UDN. Quanto Prestes foi
solto, os jornalistas perguntaram para ele: ‘Qual é a sua posição? O senhor que está saindo
da prisão’. – ‘Eu sou a favor da Constituinte com Getúlio’. Foi chocante até para as massas
comunistas que estavam naqueles comícios.
Prestes entendeu que os comunistas estavam engrossando justamente aquela corrente de
gente que combatia o seu nacionalismo, que queria isto que foi implantado agora, que queria
a entrega do país; e não o seu desenvolvimento autônomo, nacional, soberano para o povo
brasileiro, como vinha construindo Vargas.
Aí, surgiram intrigas militares. E Vargas se viu diante de uma crise. As eleições marcadas para o
dia 29 de outubro de 1945. 29 de outubro foi o golpe. As eleições eram em 15 de novembro de
45. Foi em 45 (José Augusto deve estar aí e ele sabe disso). Então o que acontece? O fato é que
se criou um ambiente de intriga, de grande instabilidade para Vargas, e se estabeleceu a idéia
de que ele foi deposto.
Não! Vargas renunciou. Porque ele tinha condições de reagir e não quis derramamento de
sangue. Ele renunciou. Ele condicionou a sua saída do governo a que não houvesse nenhuma
perseguição. E se retirou. E foi embora para seu município natal de São Borja.
Houve um governo provisório, e, no dia 2 de dezembro… 29 de outubro foi o golpe, no dia 2 de
dezembro foram as eleições (lá está José Augusto; ele está confirmando: dia 2 de dezembro).
Eram dois candidatos: Dutra, que era o Ministro da Guerra, candidato do governo; mas que
Vargas, friamente, atendendo aos apelos gerais pediu para o povo brasileiro votar nele.
Venceu ao chamado Brigadeiro Eduardo Gomes, que era o candidato de oposição.
Havia um outro candidato, levantado pelo senador Prestes (que se elegeu senador), que se
chamava Yedo Fiúza. Era eleição para a Presidência e de uma Constituinte.
Pouco antes das eleições, naquele ambiente, os sindicatos, que organizaram associações
com finalidade de eleger um ou outro deputado, manifestaram ao Ministro do Trabalho
o seu inconformismo com aquele quadro – que era uma disputa entre conservadores. Os
trabalhadores praticamente estavam aprisionados, com aquela situação.
Ouve uma reunião no Ministério do Trabalho, com os círculos sindicais, e decidiram lançar
um partido. E foi lançado pelo Ministro do Trabalho, Marcondes Filho, em discordância da
posição do governo. Vejam bem: em discordância da posição do governo. Vargas consultado,
disse ‘bem, vocês sigam a inspiração de vocês’. E foi lançado, então, aí o Partido Trabalhista
Brasileiro. Creio que 30 dias antes das eleições (ou 60 dias).
Não haviam diretórios organizados, somente algumas comissões provisórias. Ele praticamente
não pôde competir. Lá no Rio Grande do Sul, por exemplo, elegeu um deputado federal.
Porque podia candidatar Vargas para deputado, onde fosse. Onde o partido tinha comissão
provisória, candidatou Vargas e outros – líderes sindicais que não eram conhecidos.
Então, como Vargas fazia voto como candidato a deputado, elegeu o partido creio que 16
deputados; uma bancada de 16, 17… José Augusto… [José Augusto Ribeiro responde: 22
deputados]. Ele tem tudo na cabeça. Está escrevendo uma história espetacular do nosso
Partido, do Trabalhismo. Aqui está um novo capítulo, que ele acabou de entregar ao Neiva.
Quinto ou sexto, não é?
Então, o que acontece? Marcondes Filho foi eleito com o Presidente Vargas senadores por São
Paulo. E foi eleito foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul também o Presidente Vargas.
Claro que os beneficiários, em nome de Vargas, daquela legenda, daquele prestígio foram os
conservadores do PSD. Lá no Rio Grande do Sul, por exemplo, eram 26 deputados federais no
total. O PSD elegeu 22. Um do Partido Comunista, um do PL, outro da UDN e esse nosso, do
PTB. Foram os grandes beneficiados. O PSD tinha maioria absoluta no Congresso. O resultado
foi este.
E aí, ocorreu o primeiro episódio de traição que a história recente do nosso país registra; e
que, depois, fomos assistindo a tantos outros – menores e maiores – ao longo deste tempo.
Dutra, que foi eleito por Vargas. Era o Ministro do Exército dele (Ministro da Guerra, naquele
tempo). Ele não teria 100 votos se fosse candidato. Além de antipático era, sei lá… Ele foi
eleito porque o Presidente Vargas disse… Recomendou que votasse no candidato Dutra. E o
povo brasileiro lhe de uma grande maioria.
Então, o que acontece? Dutra assumiu, nem sequer respondeu o telegrama de felicitações do
Presidente Vargas. Voltou-lhe as costas. Anos e anos. Vargas o retirou da mediocridade, e ele
voltou as costas ao Presidente Vargas. E o que é interessante: todo aquele partido gigantesco,
pelo Brasil, também voltou as costas para o Presidente Vargas.
O pasto, as ervas daninhas cresciam sob a porta do Presidente Vargas, lá em São Borja. E eles –
todos – no poleiro. Quer dizer: ele lá ficou, numa espécie de retirado; numa espécie de exílio.
Tudo era contra ele. A imprensa geral contra ele: rádio, jornal. Não havia televisão naquele
tempo; estava por sair… Já havia algo de televisão… Chateaubriand andava por aí…
Imensa campanha contra ele: o “ex-ditador”, para todos os defeitos. E ele, quieto lá. Não
respondia nada. Forças Armadas contra ele; os empresários contra ele; a intelectualidade
contra ele (nas universidades não se podia nem se falar em Vargas); capital estrangeiro contra
ele. Ele só tinha ao lado dele os trabalhadores, e mais ninguém: a gente humilde, por toda
parte. Isto sim.
Já começavam a escrever nos muros, nas pedras, por toda parte, nos tapumes: ele voltará! E
assim por diante, compreendeu?
Então, o que acontece? Tudo… o nosso Partido nasceu ali, e ficou. Teve uma atuação na
Constituinte mais ou menos. Não demorou muito, morre Marcondes Filho. E fomos andando,
naquele ambiente de restrição. Mas contando com o povo. Aí, começamos por toda parte.
Eu, nessa época, eu era estudante. Aquele ambiente nos orientava de uma forma muito
precária. Porque nós não tínhamos informação. Eu me lembro: a universidade, por exemplo, e
o Colégio Júlio de Castilho, que eu freqüentava (onde estava a Yara Vargas), nós víamos aquele
panorama de jovens divididos em duas grandes correntes.
Uma delas era dos filhos das famílias ricas: fazendeiros, industriais, empresários. Esse
movimento era um movimento “bonito…”, “democrático…”, a favor da UDN, e tal…,
candidatura Eduardo Gomes…, contra o ditador, contra isso… Tudo bom. Era aquela juventude
punho-de-renda. Sabem quem era o líder desse movimento, nessa época ali? – Esse tal
Brossard, que vocês conhecem aí; que está se aposentando agora. Ele era o líder.
A outra metade era o Partido Comunista. Fechados nas suas células; tudo organizado,
controlado.
Nós fazíamos parte de um grupo ali de, de uns doze, quinze; que trabalhávamos duramente
para estudar. Vivíamos aquela inquietação, mas não sabíamos muito o que pensar.
Guardávamos uma simpatia pelo Presidente Vargas, mas uma coisa intuitiva – porque ele
falava nos interesses dos trabalhadores; e toda aquela gente importante contra ele – nos
colocava neste lado.
Mas não podíamos fazer causa comum (embora tivéssemos até simpatia pelo Prestes) com
aquela estrutura do Partido Comunista. Porque eles sabiam tudo. E nós não sabíamos nada.
Nós trabalhávamos. Era dura nossa vida para poder estudar.
Chegavam, iam no muro ali e… Reforma Agrária! Eles já escreviam: reforma agrária. Então,
a gente perguntava para eles: o que é isso, reforma agrária? Eles vinham: ‘Pá, pá, pá, pá,
pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá’… Sabiam tudo. A gente ficava olhando… Porque
eles recebiam os polígrafos, que iam daqui, que vinham de outros lugares, e coisa e tal. Não
tínhamos diálogo com eles. E eles eram muito fechados. Então, fomos ficando.
Um dia nós saímos daquela área ali, onde estudávamos, e vinha uma passeata. Até nos
assustamos com aquilo. Trabalhadores da construção civil, que vinham com pedaços de
cartões. Ali estava escrito: ‘Em defesa da legislação do trabalho. Queremos Getúlio. Viva
Getúlio. Estamos com Getúlio’. Aquilo ali nos envolveu. Dali a pouco, nós estávamos juntos
com eles. E aquilo não dizia nada, mas era tudo também. Compreendeu? Como é que é isso?
Eu não sei!
O fato é que daquele movimento ali nós acabamos, depois, lá num escritório improvisado,
aonde se encontravam os líderes sindicais e os professores – professores de curso primário,
secundário; um grupo de uma vinte pessoas. E nós acabamos lá com eles, no final daquela
passeata.
E eles estavam organizando. Era justamente a comissão do Partido Trabalhista Brasileiro. Ali
nos identificamos, e ali ficamos com eles. Havia um líder sindical chamado José Vecchio, pai de
uma companheira militante do Movimento de Mulheres – companheira Miguelina. Miguelina
que está atuando lá no Rio Grande do Sul, no Partido.
E nós nos ligamos a eles; e ali começou a surgir o partido no Rio Grande do Sul. Recordo-
me: fomos incumbidos de organizar a juventude, que se chamava Ala Moça. Dali a pouco
apareceram umas companheiras, que foram incumbidas de organizar a ala feminina –
chamava-se Ala Feminina.
E o fato é que aí começou o desenvolvimento do nosso partido no Rio Grande do Sul. Foi
organizado com Vargas retirado, isolado.
Vargas não organizou dois partidos, para manobrar com um e com outro. Não tem nada disso.
Rigorosamente não! Isso é uma inverdade. Isso é uma interpretação inverídica da história. O
Partido Trabalhista Brasileiro se organizou fora de governo; se organizou vivendo dificuldades
e insuficiências.
Eu fiz parte daqueles vinte ou trinta que saíram e organizaram o partido, lá no nosso Estado;
como, aqui, outros grupos; em outros estados, outros grupos também. Mas lá nós vivíamos
grandes dificuldades.
Por exemplo, nós fomos à cidade do Rio Grande, que é uma cidade portuária. Fomos lá, numa
camionete velha – uma jabureca, compreendeu? – na estrada. Chegamos, fomos lá para uma
pensão. Levávamos o nome de um político que era… que batia no peito lá como era um grande
getulista (mas estava nesse partido que se organizou à sombra de Getúlio; mas ele já tinha se
ligado ao Dutra).
Então, fomos falar com ele. Eu me lembro como hoje. Eu e aqueles líderes sindicais e mais
alguns companheiros da classe média. Ele disse – ‘Olha, mas vocês… cuidado, não dividam
(assim como fez o MDB, depois); não dividam; é melhor que fique tudo junto. Eu não posso
fazer nada, porque o Getúlio não mandou me dizer nada. Então, eu só aconselho a vocês que
não dividam’.
Não conseguimos nada. Saímos de lá, e o Vecchio diz: ‘É, com esse não resolvemos nada’.
Fomos para a pensão, almoçamos, conversamos; e diz o Vecchio: ‘Olha, sabe de uma coisa?
Vamos convidar esse pessoal todo por aí para fazer uma reunião, de noite, lá na praça; e
vamos organizar o partido lá; vamos ver quem é que vem, e quem não vem’. E disse: ‘Olha,
Leopoldo Machado, tu pegas o Brizola aí e vai lá para o porto; fulano de tal, pega o Vilson
Vargas e vai lá para tal vila; outro vai para cá, vai para lá…’.
Fizemos uns cinco ou seis grupos e saímos. Sem alto-falante, sem nada; sem condução: nós
pegamos um bondezinho e fomos para o porto. Chegamos lá, o pessoal estava ali por entrar
para o trabalho. Era um dia frio de inverno. Tinham uns grupos comendo tangerina aqui,
tangerina ali; tomando sol.
E o Leopoldo Machado disse: ‘Leonel, sobe ali naquele muro e manda brasa aí. E eu vou
levando um, levando outro para ali’. Eu não tive dúvida. Subi, me agarrei naquelas grades, e
comecei: – Trabalhadores do Rio Grande, estão traindo o Presidente Vargas; esse governo que
está aí é um governo de traição ao Presidente Vargas. Essa gente do PSD…
E aquele pessoal olhando… Na cabeça deles… veio vindo, veio vindo. Dali a um pouco, tinham
uns quarenta ali me ouvindo, compreendeu? – E nós vamos realizar um comício hoje, lá na
praça tal, assim, assim para organizar o Partido Trabalhista, que vai ser o partido que vai dar
respaldo à volta do Presidente Vargas ao governo. Dali a pouco já veio mais gente.
Dali a pouco, Leopoldo Machado disse: ‘Desce, Leonel. Subo eu, agora’.
Falava com um palito na boca. Ele falava… Era um velho gordo, baixo, e falava com um palito
na boca. Era padeiro. Ele era padeiro. Sindicato dos Padeiros. Olha, seguiu… Então, quando
chegou na praça, vocês não têm idéia: nós tínhamos um comício com cerca de dez mil pessoas.
Era o ambiente. Dez mil pessoas!
Então, fomos para aquele coreto, que dava serenata, retreta, bandinha. Fomos para ali. Não
tinha microfone, não tinha nada. No peito! Então, o Vecchio disse: ‘Vamos organizar, aqui, o
diretório do partido’. Na praça!…
Então, diziam: ‘põe seu fulano, presidente do Sindicato dos Alfaiates; põe dona fulana, que
é uma líder das costureiras lá do bairro tal, assim, assim; põe fulanos, dos pescadores; põe
fulano, que é bancário’, não sei o que que tem. Bem assim.
E gritaram um lá: ‘fulano; esse é o homem lá que lida com cavalo, lá não sei o que tem, e coisa
e tal’. Aí, um gritou: “Vecchio, não ponha esse. Esse é sem-vergonha…’. Aí, o Vecchio: ‘Bota;
bota o homem aí. Em quem é que os sem-vergonhas vão votar?…’.
E assim, foi uma maravilha…
Olha, a história do partido foi esta.
Depois, fomos crescendo. Atraímos o Pasqualini. E fizemos as eleições para a constituinte
estadual, dali a um ano, e a eleição para governador. Candidatamos o Pasqualini e o partido
cresceu! Nós, que tínhamos um deputado federal, fizemos 23 deputados estaduais, numa
Assembléia de 55. E perdemos as eleições, com o Pasqualini, por uma pequeníssima diferença.
Mas o partido estava organizado, surgia no Rio Grande do Sul. Como surgia por toda parte do
Brasil.
Assim surgiu o nosso partido.
Quando, dali a quatro anos, vieram as eleições federais. E era tal o clamor nacional pela volta
do Getúlio – compreendeu? –, que não puderam evitar a candidatura…
E ele veio. E o Getúlio veio, não com aquela gente toda que era do governo dele. Ele veio,
como dizia um baiano ilustre, que, naquela época dizia: ‘O Getúlio veio com o seu jardim de
infância’.
Era o Jango que estava ali com ele. Porque ele viveu uma situação difícil, com o Presidente
Vargas lá, porque a própria família ficou no PSD (a maioria). Ele ficou com o filho e foi
amparado, cercado ali pelo João Goulart, que era jovem, um jovem advogado, fazendeiro na
região. Organizou até a vida para o velho Getúlio ali. E o velho Getúlio viu nele uma vocação.
Viu um homem capaz de fazer negociações, conversar: um mediador, um articulador. E
começou a se basear nele.
Então, ele surgiu para a campanha de 1950, com o chamado jardim de infância. João Goulart
devia ter trinta anos no máximo. Mas quem fazia essas articulações todas – pra cá e pra lá,
quem ia, quem vinha – era o João Goulart. E ele lá do interior… Porque ele se elegeu deputado
estadual na mesma camada que eu me elegi. E como a gente era muito restrito… Eu até fui
conhecer o Jango na hora quase de assumir. Foi quando também conheci a Neusa, nesta
oportunidade.
Quer dizer: o nosso partido teve grandes fases, que foi com o retorno de Vargas. Volta
Redonda já nascida. Todos os direitos dos trabalhadores, todas as leis de amparo aos
trabalhadores, aos menores, às mulheres. Enfim: as grandes… a linha de desenvolvimento que
o país assumiu, tudo isto já tinha acontecido. E com a volta de Vargas nós tivemos um outro
surto de desenvolvimento.
Hoje, as estatísticas mostram que foram os anos que o Brasil mais progrediu, mais avançou; e
que o produto econômico mais cresceu foram naqueles anos do Presidente Vargas. Aí nasceu a
Petrobras. Aí começaram os primeiros passos de outras grandes iniciativas. Morre o Presidente
Vargas, em 54, e o país viveu um momento difícil.
O dia 24 de agosto foi um dia que vocês não têm uma idéia do que foi. O povo, chocado com
a morte do Presidente, porque aquilo vinha de uma campanha, de uma pressão de campanha
terrível, que ele, naquela manhã deu fim à sua vida. E aquilo veio…
Vocês sabem que o Presidente Vargas chamou o Jango, de noite ainda, e entregou a ele um
papel, e disse: ‘te mandas daqui. Vá para o Rio Grande do Sul’. Era tarde, já de madrugada,
foi em casa, já com a intenção de sair daqui de manhã. Ele disse que estava fazendo a barba,
quando ouviu a notícia da morte dele: era a Carta-testamento.
Ele entregou a Carta-Testamento para João Goulart e mandou que ele saísse daqui, porque ele
achava que eles iam destruir a Carta-testamento. Mas houve ação de muitos companheiros
naquela hora, e fizeram a Rádio Nacional ler a Carta-testamento. Bom, foi um estouro.
Vocês sabem que o povo saiu em fúria pelas ruas, por toda a parte, quebrando tudo.
Compreendeu? Quebrando tudo. Quebraram os jornais inimigos, os jornais de Chateaubriand;
queimaram consulados americanos; o que era firma americana, quebraram tudo, incendiaram.
O próprio Exército só depois, mais tarde (quando amainou um pouco a situação) é que saiu nas
ruas.
A fúria… E não foi só aqui: foi em São Paulo, foi em Porto Alegre, foi em Belo Horizonte, foi no
Recife, foi em toda parte do Brasil. O povo não sabia o que fazer. Porto Alegre era um incêndio
só. Era a fúria da população, inconformada com aquilo.
Bom. Aquela campanha, que estava no auge, virou. A partir daquele momento, houve uma
virada ao contrário, de tudo. Os inimigos desapareceram. Foram se esconder, amedrontados
com aquele quadro de fúria da população. Claro – desorganizada – acabou não dando em
nada. Porque, depois, o próprio Exército foi tomando, assumindo o controle da situação.