Tijolaço para principiantes

Embora o título possa parecer petulante, este texto não tem a audácia de querer ser uma definição concreta e final do que foi esta série de artigos assinados, que se convencionou chamar de ‘tijolão’ ou ‘tijolaço’; mas tão-somente tentar – a partir de uma matéria da imprensa, daquela época – demonstrar aos mais jovens como foi difícil para o governador Brizola furar o bloqueio da grande imprensa (e da menor, caudatária do pensamento disseminado por esta), que, em coro uníssono, tinha como tarefa maior anular sua presença na política nacional.
 
O Jornal do Brasil, que ainda era domiciliado naquele imponente prédio na descida da Ponte Rio­–Niterói, em 6 de março de 1988, trazia matéria “Tijolaço” de Brizola está de volta. É a palavra do candidato, em que informava que o Governador Brizola iria começar a publicar uma nova série de artigos.
 
Forma e conteúdo
 
Em princípio, entendo que se faz necessário – para um bom entendimento deste relato – que os jovens conheçam minha visão sobre os tijolaços. Se possível, pretendo que seja a mais isenta possível; e para isto, vou fazer um sincero esforço para, depois de ter deitado leitura sobre todos publicados entre 1984 e 1998, me despir de uma idolatria. Afinal de contas, são sete séries, que abrangem 456 tijolaços, divididos em 1.142 matérias (a maioria deles é composta por várias matérias distintas).
 
Estes textos do Governador Leonel Brizola não se contentam – como a maioria dos artigos políticos – em dissecar apenas um fio condutor. Junta, no mesmo balcão: o Presidente da República de plantão, as elites brasileiras, a dupla Roberto Marinho/Antonio Carlos Magalhães, os partidos políticos, parlamentarismo, ditadura, pesquisa e o que mais estivesse em torno do tema.
 
Para o Governador, ao escrever um tijolaço sobre violência por exemplo era necessário explicar que ela cresceu no Brasil com o advento da TV Globo; que era sustentada pelo que ele chamava de ‘comando marrom’ e alimentada pelo ‘partido único’ (a grande imprensa); e pleno emprego e educação (nos moldes dos Cieps) eram as mais eficazes formas de combatê-la.
 
Sobre o estilo dos tijolaços, Fernando Brito explicou: “(…) Em conseqüência, os artigos acabavam moldados à semelhança de sua oratória: períodos longos, metáforas, muitas referências históricas e uso de palavras que, conquanto expressassem corretamente a idéia, muitas vezes eram incompreensíveis ao leitor menos preparado: contubérnio (mancebia, convivência promíscua), despifarro (espanholismo que significa desperdício), procrastinação (protelação) e outras…”.
 
O tijolaço foi a forma encontrada pelo Governador Brizola para defender o Governo do Estado, o PDT e sua honra pessoal dos sistemáticos ataques de dois importantes jornais (naquela época) do eixo Rio–São Paulo: Jornal do Brasil e O Estado de São Paulo. Os artigos O incêndio do Edifício Andorinhas e O Rei, o Barão e o Ministro podem, por certo, servir de exemplo.
 
Com a palavra o JB
 
O próprio Jornal do Brasil confirma este meu conceito, em 6 de março de 1988 (o Governador deixara o Governo do Rio de Janeiro um anos antes), através da matéria Tijolaço de Brizola está de volta. É a palavra do candidato’, da qual transcrevo os parágrafos referentes ao entretítulo Insinuações:
 
“Estes 20 anos criaram, em muitas pessoas, atitudes e hábitos verdadeiramente insólitos, incompatíveis com a convivência democrática”, começava Brizola seu primeiro artigo, defendendo seus quatro meses de gestão contra precoces ataques:
“O atual governo foi eleito pelo voto livre e direto da população. Não foi escolhido por nenhum colégio de áulicos, nem é produto de influências de quem quer que seja”.
 
Em 50 linhas, ele reclamava do “ataque insultuoso e sistemático de certos órgãos de imprensa”, que fariam “insistentes matérias sempre impregnadas de maldosas insinuações”, e pedia “o direito de transformar em diálogo o deprimente monólogo a que a população perplexa vem assistindo”. Na verdade, a idéia do texto sobreveio a uma contagem do que Brizola considerava “ataques do JORNAL DO BRASIL” à sua administração. Teriam sido 30 num só mês.
 
Que não se perca esta frase assumida pelo JB: “Teriam sido 30 num só mês”.
 
As citações (aspas do Governador) usadas nestes dois parágrafos estão contidas em Esclarecendo a população, de 29 de julho de 1984.
 
Uma leitura atenta desta matéria do Jornal do Brasil demonstra, sobejamente, de que forma o jornal tratava o governador Brizola, mesmo quase dois anos depois do período mais duro (quando governava o Estado):
 
1) Embora a matéria considere 29 de julho de 1984 a data do tijolaço inicial, na verdade este foi o primeiro que recebeu número. Antes, o Governador Brizola publicara (entre 19 de fevereiro e 28 de junho de 1884) sete sem numeração: dois referentes ao próprio Jornal do Brasil, dois a O Estado de São Paulo e três com matérias de governo.
 
2) No início, o JB explica que “o ex-governador Leonel Brizola manteve segredo até o último momento sobre qual seria o tema principal de seu artigo, a ser publicado neste domingo como matéria paga no JORNAL DO BRASIL, quase um ano depois de interromper a série de comunicados que veiculou durante sua gestão no Palácio Guanabara”.
Não houve esta interrupção de quase um ano. O tijolaço ‘Traição do povo brasileiro’, imediatamente anterior ao que motivou a matéria do Jornal do Brasil, foi publicado em 15 de novembro de 1987 (décimo nono da segunda fase). O jornal não computou 19 publicações numeradas neste mesmo ano: junho (4), julho (3), agosto (5), setembro (2), outubro (2) e novembro (3).
 
3) Informa o jornal: “… começava Brizola seu primeiro artigo, defendendo seus quatro meses de gestão contra precoces ataques…”.
Ora, o jornal define que o primeiro tijolaço foi publicado em 29 de julho de 1984. Como a posse do Governador Brizola ocorreu em 15 de março de 1983, ele não defendia “quatro meses de gestão contra precoces ataques”; mas, tão-somente quatro ao quadrado: 16 meses de gestão contra sistemáticos ataques. Teriam sido 30 num só mês, segundo o próprio Jornal do Brasil.
 
Portanto, a crença de que o Governador Brizola criou o tijolaço para atacar o Sistema Globo não é real: as primeiras citações às Organizações Globo ou seu diretor-presidente – ‘Sarney em Santa Cruz’ e ‘Professorado’ – ocorreram em 25 de abril de 1986, depois de terem sido publicados 54 tijolões (40 numerados e 14 sem numeração). O tópico sobre o Presidente Sarney termina com um indício de que havia uma mudança de rumo do jornal fluminense com seu Governo: “Nessa linha, dentro em pouco, não haverá nenhuma diferença entre o Globo e o Estadão”.
 
Repercussão na imprensa
 
Os dois maiores jornais do Rio, na época – O Globo e Jornal do Brasil –, se renderam ao neologismo ‘tijolaço’. As opiniões transmitidas nestes artigos serviam de pauta para jornais da grande imprensa, também de fora do Rio de Janeiro, como, por exemplo, a Folha de São Paulo.
 
Tijolaço de Brizola faz escola e até a PM anuncia (JB).
Brizola critica “conchavo” para a votação do sistema (Folha de São Paulo).
Advogado move ação contra Brizola e seus tijolaços (O Globo).
TRE cassa liminar que suspendia os tijolaços (JB).       
Apio Gomes
Embora o título possa parecer petulante, este texto não tem a audácia de querer ser uma definição concreta e final do que foi esta série de artigos assinados, que se convencionou chamar de ‘tijolão’ ou ‘tijolaço’; mas tão-somente tentar – a partir de uma matéria da imprensa, daquela época – demonstrar aos mais jovens como foi difícil para o governador Brizola furar o bloqueio da grande imprensa (e da menor, caudatária do pensamento disseminado por esta), que, em coro uníssono, tinha como tarefa maior anular sua presença na política nacional.
 
O Jornal do Brasil, que ainda era domiciliado naquele imponente prédio na descida da Ponte Rio­–Niterói, em 6 de março de 1988, trazia matéria “Tijolaço” de Brizola está de volta. É a palavra do candidato, em que informava que o Governador Brizola iria começar a publicar uma nova série de artigos.
 
Forma e conteúdo
 
Em princípio, entendo que se faz necessário – para um bom entendimento deste relato – que os jovens conheçam minha visão sobre os tijolaços. Se possível, pretendo que seja a mais isenta possível; e para isto, vou fazer um sincero esforço para, depois de ter deitado leitura sobre todos publicados entre 1984 e 1998, me despir de uma idolatria. Afinal de contas, são sete séries, que abrangem 456 tijolaços, divididos em 1.142 matérias (a maioria deles é composta por várias matérias distintas).
 
Estes textos do Governador Leonel Brizola não se contentam – como a maioria dos artigos políticos – em dissecar apenas um fio condutor. Junta, no mesmo balcão: o Presidente da República de plantão, as elites brasileiras, a dupla Roberto Marinho/Antonio Carlos Magalhães, os partidos políticos, parlamentarismo, ditadura, pesquisa e o que mais estivesse em torno do tema.
 
Para o Governador, ao escrever um tijolaço sobre violência por exemplo era necessário explicar que ela cresceu no Brasil com o advento da TV Globo; que era sustentada pelo que ele chamava de ‘comando marrom’ e alimentada pelo ‘partido único’ (a grande imprensa); e pleno emprego e educação (nos moldes dos Cieps) eram as mais eficazes formas de combatê-la.
 
Sobre o estilo dos tijolaços, Fernando Brito explicou: “(…) Em conseqüência, os artigos acabavam moldados à semelhança de sua oratória: períodos longos, metáforas, muitas referências históricas e uso de palavras que, conquanto expressassem corretamente a idéia, muitas vezes eram incompreensíveis ao leitor menos preparado: contubérnio (mancebia, convivência promíscua), despifarro (espanholismo que significa desperdício), procrastinação (protelação) e outras…”.
 
O tijolaço foi a forma encontrada pelo Governador Brizola para defender o Governo do Estado, o PDT e sua honra pessoal dos sistemáticos ataques de dois importantes jornais (naquela época) do eixo Rio–São Paulo: Jornal do Brasil e O Estado de São Paulo. Os artigos O incêndio do Edifício Andorinhas e O Rei, o Barão e o Ministro podem, por certo, servir de exemplo.
 
Com a palavra o JB
 
O próprio Jornal do Brasil confirma este meu conceito, em 6 de março de 1988 (o Governador deixara o Governo do Rio de Janeiro um anos antes), através da matéria Tijolaço de Brizola está de volta. É a palavra do candidato’, da qual transcrevo os parágrafos referentes ao entretítulo Insinuações:
 
“Estes 20 anos criaram, em muitas pessoas, atitudes e hábitos verdadeiramente insólitos, incompatíveis com a convivência democrática”, começava Brizola seu primeiro artigo, defendendo seus quatro meses de gestão contra precoces ataques:
“O atual governo foi eleito pelo voto livre e direto da população. Não foi escolhido por nenhum colégio de áulicos, nem é produto de influências de quem quer que seja”.
 
Em 50 linhas, ele reclamava do “ataque insultuoso e sistemático de certos órgãos de imprensa”, que fariam “insistentes matérias sempre impregnadas de maldosas insinuações”, e pedia “o direito de transformar em diálogo o deprimente monólogo a que a população perplexa vem assistindo”. Na verdade, a idéia do texto sobreveio a uma contagem do que Brizola considerava “ataques do JORNAL DO BRASIL” à sua administração. Teriam sido 30 num só mês.
 
Que não se perca esta frase assumida pelo JB: “Teriam sido 30 num só mês”.
 
As citações (aspas do Governador) usadas nestes dois parágrafos estão contidas em Esclarecendo a população, de 29 de julho de 1984.
 
Uma leitura atenta desta matéria do Jornal do Brasil demonstra, sobejamente, de que forma o jornal tratava o governador Brizola, mesmo quase dois anos depois do período mais duro (quando governava o Estado):
 
1) Embora a matéria considere 29 de julho de 1984 a data do tijolaço inicial, na verdade este foi o primeiro que recebeu número. Antes, o Governador Brizola publicara (entre 19 de fevereiro e 28 de junho de 1884) sete sem numeração: dois referentes ao próprio Jornal do Brasil, dois a O Estado de São Paulo e três com matérias de governo.
 
2) No início, o JB explica que “o ex-governador Leonel Brizola manteve segredo até o último momento sobre qual seria o tema principal de seu artigo, a ser publicado neste domingo como matéria paga no JORNAL DO BRASIL, quase um ano depois de interromper a série de comunicados que veiculou durante sua gestão no Palácio Guanabara”.
Não houve esta interrupção de quase um ano. O tijolaço ‘Traição do povo brasileiro’, imediatamente anterior ao que motivou a matéria do Jornal do Brasil, foi publicado em 15 de novembro de 1987 (décimo nono da segunda fase). O jornal não computou 19 publicações numeradas neste mesmo ano: junho (4), julho (3), agosto (5), setembro (2), outubro (2) e novembro (3).
 
3) Informa o jornal: “… começava Brizola seu primeiro artigo, defendendo seus quatro meses de gestão contra precoces ataques…”.
Ora, o jornal define que o primeiro tijolaço foi publicado em 29 de julho de 1984. Como a posse do Governador Brizola ocorreu em 15 de março de 1983, ele não defendia “quatro meses de gestão contra precoces ataques”; mas, tão-somente quatro ao quadrado: 16 meses de gestão contra sistemáticos ataques. Teriam sido 30 num só mês, segundo o próprio Jornal do Brasil.
 
Portanto, a crença de que o Governador Brizola criou o tijolaço para atacar o Sistema Globo não é real: as primeiras citações às Organizações Globo ou seu diretor-presidente – ‘Sarney em Santa Cruz’ e ‘Professorado’ – ocorreram em 25 de abril de 1986, depois de terem sido publicados 54 tijolões (40 numerados e 14 sem numeração). O tópico sobre o Presidente Sarney termina com um indício de que havia uma mudança de rumo do jornal fluminense com seu Governo: “Nessa linha, dentro em pouco, não haverá nenhuma diferença entre o Globo e o Estadão”.
 
Repercussão na imprensa
 
Os dois maiores jornais do Rio, na época – O Globo e Jornal do Brasil –, se renderam ao neologismo ‘tijolaço’. As opiniões transmitidas nestes artigos serviam de pauta para jornais da grande imprensa, também de fora do Rio de Janeiro, como, por exemplo, a Folha de São Paulo.
 
Tijolaço de Brizola faz escola e até a PM anuncia (JB).
Brizola critica “conchavo” para a votação do sistema (Folha de São Paulo).
Advogado move ação contra Brizola e seus tijolaços (O Globo).
TRE cassa liminar que suspendia os tijolaços (JB).       
Apio Gomes