Houve tempo em que a profissão de jornalista era tida como de segunda classe. Fora os políticos que se utilizavam da imprensa como instrumento para a difusão de suas idéias ou a concretização de seus interesses, botando dinheiro próprio nos jornais, a imensa maioria vivia de receber vales, obrigava-se a trabalhar em diversos veículos e não raro morria na indigência. A própria Associação Brasileira de Imprensa nasceu como Caixa de Pecúlio para atender velhos profissionais sem aposentadoria. Seu fundador, Gustavo Lacerda, morreu na Santa Casa da Misericórdia, no Rio de Janeiro. Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Julio Mesquita, Ronald de Carvalho, Armando de Salles Oliveira, Gilberto Amado e quantos outros eram profissionais liberais de sucesso ou nobres bem fornidos de recursos, especializados em campanhas políticas de sucesso, intitulando-se jornalistas por diletantismo. Bem diferente era a massa que cuidava da noticia, que reportava e editava as folhas, dividida entre a boemia e a quase miséria. A sociedade referia-se a ela fazendo aqueles gestos de quem tange galinhas.
O tempo passou, espaços foram sendo abertos. Mesmo assim, usava-se a mídia, e hoje também se usa, como instrumento para ingresso na política. Só que a categoria dos jornalistas foi crescendo, claro que ainda submetida a constrangimentos. Vieram as Escolas de Jornalismo, sem exigência de diploma, aumentando da mesma forma o número de profissionais que cursavam Direito, Arquitetura e outras faculdades. Nos idos dos anos cinquenta do século passado já se podia sobreviver com os salários pagos pelos meios de comunicação, ainda que muitos jornalistas misturassem reportagem com publicidade ou histrionismo. Deixamos de ser uma profissão de segunda classe, as exigências da informação correta e verdadeira cresceram. A boemia foi ficando para trás, assim como a miséria. Diminuiu a força dos patrões diante da noticia, ainda que continuassem impondo concepções e interesses.
Com a modernização e a sofisticação dos meios de comunicação, além da exigência sempre maior dos leitores, ouvintes e telespectadores, acabamos aceitos na comunidade. Para isso contribuiu essencialmente a obrigatoriedade do diploma. Só com conhecimentos ordenados do mundo e da técnica jornalística, adquiridos também pela experiência, tornou-se possível às novas gerações ingressar na profissão a serviço da notícia. Valorizá-la, conquistando espaços capazes de exigir melhores salários e mais ética por parte das empresas. O culto à notícia veraz e honesta cresceu, não obstante as exceções, como em qualquer outra profissão. A reação veio desde o início, por parte de muitos patrões, saudosos dos tempos em que dominavam por completo os jornalistas e as notícias. Como também, em progressão até maior, entrou em campo a raiva daqueles que se sentiam atingidos pelos fatos publicados. Tentarem e parece que conseguiram confundir-se com as instituições e as corporações a que servem, interessados em sobrepor-se à sociedade e, mesmo, à lei e aos bons costumes. Excessos aconteceram e acontecem do nosso lado, mas, como regra, o jornalismo impôs-se como valor social.
A queda de braço permaneceu, assim como o conluio entre a maioria dos proprietários e o monte de atingidos pela notícia, integrantes de instituições variadas, flagrados em lambanças ou simplesmente irritados por ver afirmar-se um outro poder capaz de arranhar e até de demolir suas maracutaias. Particularizando: no Congresso, nos partidos políticos, nos governos, nos tribunais, nas entidades empresariais, até nos sindicatos e nas universidades – os incomodados entenderam necessário contra-atacar. Com inteligência, fizeram alvo principal a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Uma espécie de vingança, de revanche para eles capaz dispersar a categoria que os incomoda.
Ignora-se haver sido o Supremo Tribunal Federal um instrumento, um agente dessa reação, ou, simplesmente, as mãos do gato com que as elites tiram as castanhas do fogo. Tanto faz, pois da decisão de dez ministros, em onze, acaba de sair o petardo supostamente letal para esmagar a força da notícia. Apesar do protesto de alguns veículos e da promessa de seus proprietários de que nada vai mudar e de que continuarão sendo admitidos em suas redações os melhores profissionais, o risco é de a teoria ser desmentida pelos fatos. Agora poderão ingressar no jornalismo, além dos jovens obviamente preparados, indivíduos manipuláveis, sem a formação necessária para o cumprimento de nossa obrigação maior, o culto à notícia.