Desabou

O pior desabamento é o que silencia as vítimas sob os escombros, mortas ou desmaiadas, sem voz para atrair o resgate. É assim o desastre que hoje ocorre no Senado. Desaba sobre mortos e desmaiados: senadores acomodados ou indignados, mas todos perplexos, impotentes.
 
A arma do Congresso brasileiro é sua credibilidade. A principal razão da perda de confiança é a suspeição que pesa sobre alguns de seus membros, sob investigação policial ou no Conselho de Ética. E o povo pergunta quais serão os próximos; percebe os artifícios escondidos na manipulação do regimento para proteger colegas, por corporativismo, medo de viver o mesmo, ameaças de dossiês contra os que se atrevam a aprofundar as investigações.
 
Isso é mais grave quando o presidente do Congresso é o suspeito. Além da paralisia, fica a idéia do uso do poder para defesa própria, e não para a condução do Senado.
 
Por isso, se ainda houver voz sob os escombros, ela precisa exigir que o presidente Renan Calheiros se licencie da Presidência do Senado, enquanto durarem as investigações sobre ele. Na última terça-feira, diversos senadores se manifestaram sobre isso no plenário. Foi um bom sinal de quem nem todos estão mortos ou desmaiados. As decisões da Mesa Diretora nesta semana - reenviando ao Conselho de Ética, o processo do senador Renan e levando o senador Roriz à renúncia - trouxeram alento. Mas ainda é pouco.
 
O Senado precisa de um Conselho de Ética acima de qualquer suspeita. Com nomes de passado limpo e futuro imune a pressões, seja do governo e do presidente Renan para absolvê-lo, seja de adversários ou da opinião pública para culpá-lo sem uma análise isenta e profunda.
 
Só parlamentares acima de qualquer suspeita poderão recuperar a credibilidade do presidente Renan e do Senado. A pior acusação contra ele será o arquivamento do processo por uma comissão sob suspeição. Ele será condenado a viver sob os escombros do desabamento que ajudou a provocar, como personagem de uma tragédia grega.
 
Mas o desabamento não é culpa apenas do Senador Renan. Todos nós, senadores, somos culpados. Seu episódio não é o primeiro, nem será o último, a envolver denúncias de corrupção. Outro já surgiu com o senador Roriz.
 
Nossa crise não vem só das suspeitas e constatações de corrupção. Elas levantam o que o senador Jarbas Vasconcelos chamou de fedor, muito próprio dos locais de desabamentos. Mas debaixo da podridão da superfície, o Congresso já vinha ruindo. Porque sua agenda pouco tem a ver com a pauta do povo. Porque fazemos política sem causas, política pela política, como um jogo sem estadismo; contentamo-nos com a mais simplória politicagem, presa aos interesses do presente, e sem compromisso com o futuro da Nação. Porque, depois de tanta omissão e acomodação, nos tornamos um poder irrelevante, deixamos o Brasil ser governado por Medidas Provisórias e liminares judiciais.
 
Porque - e a culpa não é só dos atuais parlamentares - não há República onde a República ainda não existe; onde a população está dividida entre uma elite aristocrática, na qual os senadores são excelências, e não cidadãos, e uma massa chamada povão, abandonada ou atendida com minúsculas transferências de renda. Esta é a mais duradoura e maior de nossas corrupções: não construir a República proclamada há 120 anos.
 
Porque nenhum senador demonstra liderança para promover a causa da reconstrução; ficamos assistindo ao desabamento sem reação conseqüente.
 
Hoje, o Brasil não tem Senado. Nós, senadores, estamos sob os escombros de corrupção, omissão ou incompetência para limpar o terreno e reconstruir a Casa. O Congresso sucumbiu aos escombros da sua própria falência. E quando uma parte do Congresso tenta reagir, surgem corrupções maiores do que aquela que pesa sobre o presidente Renan: a compra do voto parlamentar em troca de mensalões ou outras moedas, a desmoralização dos partidos que abandonaram seus compromissos, a acomodação social por causa das ações e políticas de um presidente da República carismático.
 
O Senado desabou, e a prova maior que é um senador diz que o Senado fede, e outro escreve que o Congresso desabou, mas nenhum dos dois é levado ao Conselho de Ética. Ou o Senado desabou e fede, ou os senadores que fazem essas afirmações deveriam ser julgados, depois de uma apuração mais profunda de suas mentiras ou das causas da demolição.
 
Mas isso tem de ser feito por um Conselho de Ética que tenha credibilidade. Esse é o ponto de partida.
 
 
Professor da Universidade de Brasília, Senador pelo PDT / DF.
 
O pior desabamento é o que silencia as vítimas sob os escombros, mortas ou desmaiadas, sem voz para atrair o resgate. É assim o desastre que hoje ocorre no Senado. Desaba sobre mortos e desmaiados: senadores acomodados ou indignados, mas todos perplexos, impotentes.
 
A arma do Congresso brasileiro é sua credibilidade. A principal razão da perda de confiança é a suspeição que pesa sobre alguns de seus membros, sob investigação policial ou no Conselho de Ética. E o povo pergunta quais serão os próximos; percebe os artifícios escondidos na manipulação do regimento para proteger colegas, por corporativismo, medo de viver o mesmo, ameaças de dossiês contra os que se atrevam a aprofundar as investigações.
 
Isso é mais grave quando o presidente do Congresso é o suspeito. Além da paralisia, fica a idéia do uso do poder para defesa própria, e não para a condução do Senado.
 
Por isso, se ainda houver voz sob os escombros, ela precisa exigir que o presidente Renan Calheiros se licencie da Presidência do Senado, enquanto durarem as investigações sobre ele. Na última terça-feira, diversos senadores se manifestaram sobre isso no plenário. Foi um bom sinal de quem nem todos estão mortos ou desmaiados. As decisões da Mesa Diretora nesta semana – reenviando ao Conselho de Ética, o processo do senador Renan e levando o senador Roriz à renúncia – trouxeram alento. Mas ainda é pouco.
 
O Senado precisa de um Conselho de Ética acima de qualquer suspeita. Com nomes de passado limpo e futuro imune a pressões, seja do governo e do presidente Renan para absolvê-lo, seja de adversários ou da opinião pública para culpá-lo sem uma análise isenta e profunda.
 
Só parlamentares acima de qualquer suspeita poderão recuperar a credibilidade do presidente Renan e do Senado. A pior acusação contra ele será o arquivamento do processo por uma comissão sob suspeição. Ele será condenado a viver sob os escombros do desabamento que ajudou a provocar, como personagem de uma tragédia grega.
 
Mas o desabamento não é culpa apenas do Senador Renan. Todos nós, senadores, somos culpados. Seu episódio não é o primeiro, nem será o último, a envolver denúncias de corrupção. Outro já surgiu com o senador Roriz.
 
Nossa crise não vem só das suspeitas e constatações de corrupção. Elas levantam o que o senador Jarbas Vasconcelos chamou de fedor, muito próprio dos locais de desabamentos. Mas debaixo da podridão da superfície, o Congresso já vinha ruindo. Porque sua agenda pouco tem a ver com a pauta do povo. Porque fazemos política sem causas, política pela política, como um jogo sem estadismo; contentamo-nos com a mais simplória politicagem, presa aos interesses do presente, e sem compromisso com o futuro da Nação. Porque, depois de tanta omissão e acomodação, nos tornamos um poder irrelevante, deixamos o Brasil ser governado por Medidas Provisórias e liminares judiciais.
 
Porque – e a culpa não é só dos atuais parlamentares – não há República onde a República ainda não existe; onde a população está dividida entre uma elite aristocrática, na qual os senadores são excelências, e não cidadãos, e uma massa chamada povão, abandonada ou atendida com minúsculas transferências de renda. Esta é a mais duradoura e maior de nossas corrupções: não construir a República proclamada há 120 anos.
 
Porque nenhum senador demonstra liderança para promover a causa da reconstrução; ficamos assistindo ao desabamento sem reação conseqüente.
 
Hoje, o Brasil não tem Senado. Nós, senadores, estamos sob os escombros de corrupção, omissão ou incompetência para limpar o terreno e reconstruir a Casa. O Congresso sucumbiu aos escombros da sua própria falência. E quando uma parte do Congresso tenta reagir, surgem corrupções maiores do que aquela que pesa sobre o presidente Renan: a compra do voto parlamentar em troca de mensalões ou outras moedas, a desmoralização dos partidos que abandonaram seus compromissos, a acomodação social por causa das ações e políticas de um presidente da República carismático.
 
O Senado desabou, e a prova maior que é um senador diz que o Senado fede, e outro escreve que o Congresso desabou, mas nenhum dos dois é levado ao Conselho de Ética. Ou o Senado desabou e fede, ou os senadores que fazem essas afirmações deveriam ser julgados, depois de uma apuração mais profunda de suas mentiras ou das causas da demolição.
 
Mas isso tem de ser feito por um Conselho de Ética que tenha credibilidade. Esse é o ponto de partida.
 
 
Professor da Universidade de Brasília, Senador pelo PDT / DF.