ENTREVISTA/BAUTISTA VIDAL
Bautista discute a criação de uma nova estatal para gerir os recursos petrolíferos do pré-sal, fala sobre o possível fortalecimento da Petrobrás, hoje com 67% das suas ações preferenciais nas mãos de investidores norte-americanos graças ao entreguismo do governo FHC; e comenta também sobre o futuro da energia renovável, os biocombustíveis, que considera a energia do futuro.
O que o senhor acha da proposta de se criar uma nova estatal para lidar com o petróleo do pré-sal?
— Pelas notícias que se tem, estão querendo criar uma nova empresa sem investimentos. Ou seja, vão tomar dinheiro emprestado. Segundo, é uma nova empresa, vão ter que treinar gente. A Petrobrás levou trinta anos treinando seu pessoal. Montaram uma universidade com professores estrangeiros na Bahia, mandaram gente para o exterior. Além disso, trata-se de uma tecnologia de alta profundidade. Não estou entendendo porque a Petrobras não assume essa coisa, porque já existe a base de investimento. A Petrobras tem crédito, recursos, conhecimentos. Eu estou achando essa nova empresa uma coisa estranha. Falam de uma empresa enxuta, que não vai executar nada, só será intermediária. Está muito nebulosa essa história. Vai levar um tempão até treinar esse pessoal, quando a Petrobras poderia se tornar uma empresa maior e competir mais competidora com as empresas internacionais, que são muito fortes. Há muitas dúvidas sobre essa nova empresa. De onde eles vão tirar o pessoal para trabalhar em grandes profundidades marítimas? A Petrobras é a única com capacidade tecnológica de grande profundidade marítima, todo mundo quer se juntar a ela para comer a tecnologia que a Petrobras desenvolveu. Fazer isso numa nova empresa me parece muito estranho.
Discute-se a criação de uma empresa que redistribua a renda obtida com o petróleo do pré-sal, evitando que os lucros fiquem nas mãos dos acionistas minoritários da Petrobras. Como vê isso?
— A realidade é que 67% dos acionistas preferenciais da Petrobras são norte-americanos, então o lucro do pré-sal, via Petrobras, ficaria na mão de acionistas norte-americanos. Esse é um ponto muito negativo. Agora, essa nova empresa seria intermediária para decidir a quem entregar a exploração e a prospecção, disso não há dúvida. Agora, com que dinheiro?
De uma maneira ou de outra ainda haveria dependência de capital estrangeiro…
— É, pelo visto sim. O que é extremamente negativo e contrário aos interesses dos brasileiros e do Brasil.
Levando em conta o lucro que seria distribuído pela Petrobras aos estrangeiros, a criação de uma nova estatal é acertada?
— Claro. Você tem que levar em conta as prioridades do Brasil. Não se fala em tecnologia, não se fala em industrialização, essa coisa está muito nebulosa e precisa haver um grande debate para que a solução seja adequada. Você já tem a Petrobras, com tradição e um prestígio internacional enorme, com recursos e possibilidade de tomar financiamentos em condições favoráveis. Essa nova empresa não tem nada, nem dinheiro tem.
O senhor acha que a descoberta na reserva do pré-sal pode prejudicar os investimentos em biocombustíveis?
— Não, não. O gás é muito mais perigoso, porque substitui o álcool. Isso você tem que avaliar estrategicamente. Mas o petróleo não. Com o preço atual, você pode exportar esse petróleo e gastar muito menos usando energia renovável produzida pelo nosso pequeno produtor. Você tem saídas magníficas e fáceis de serem equacionados. Por exemplo, o governo deveria comprar essas ações da Petrobras que estão nas mãos de norte-americanos. A Petrobras está precisando ser nacionalizada, porque ela é internacional hoje.
O senhor acha que o Brasil possui hoje uma política energética definida?
— Eu acho que todas as macro políticas estão equivocadas (risos). Por exemplo, você tem o álcool a menos de US$ 20 o barril e o petróleo a US$ 147. Por que eles não usam a gasolina substituída pelo álcool, que é um quinto mais barato? Isso é uma barbaridade contra o Brasil. Outra coisa são os gasodutos. Vão gastar US$ 23 bilhões quando o gás é poluidor e secundário para o Brasil. Tem muitos países dominando a tecnologia que nós não dominamos. É outra dependência injustificável; são macropolíticas completamente equivocadas. Esse Conselho de Energia não disse a que veio ainda, não favorece o Brasil e a Petrobras. Se a Petrobras ficar dona do pré-sal ela vai poder competir com muito mais poder com as novas empresas estrangeiras. Quer dizer, vai criar uma nova, começando do zero, sem dinheiro, sem gente treinada? Que diabo é isso? Isso precisa ser esclarecido. A distribuição do dinheiro será para todos os municípios? Eu estou achando essa coisa muito confusa.
O senhor foi um dos criadores do ProÁlcool. Hoje, os críticos do etanol dizem que ele desperdiça uma quantidade enorme de terras agricultáveis, prejudicando a produção de alimentos.
— Isso não é verdade. Uma micro usina de três, quatro mil litros, engorda 80 cabeças de gado. Então você tem leite, carne em grande quantidade. Você pode intercalar a cana com milho, arroz e outros produtos. A produção de energia renovável vai aumentar substancialmente a produção de alimentos. Agora que o álcool está num bom valor, os estrangeiros estão comprando todas as terras e o Brasil está sendo invadido. O programa do álcool está sendo internacionalizado. Quem está comprando as terras e as usinas são empresas estrangeiras, quando isso não deveria ser permitido. E o Brasil não tem nenhum instrumento de ação. Para o petróleo, tem a Petrobras; para a eletricidade, tem a Eletrobrás. Quem ajuda os pequenos produtores do setor de energia renovável? Ninguém. É uma área totalmente desamparada. Como vai exportar para Japão, Alemanha, todos esses grandes centros consumidores se nem uma empresa eficiente você tem? Os pequenos produtores produzem muito bem, mas têm que ter acima deles um órgão coordenador que participe, trace políticas públicas, monte estruturas no exterior para exportar álcool e óleos vegetais. Tudo isso está muito mal, nós estamos retroagindo, voltando à República Velha. É uma coisa lamentável. Hoje não se cria nada, se destrói.
O poder de intervenção do Estado é menor hoje em dia?
— Não, eu não acho. De lá para cá surgiram empresas de economia mista muito poderosas. Hoje está se falando que a Petrosal seria estatal, mas sem dinheiro. A estatal seria obrigada a tomar dinheiro emprestado dos banqueiros internacionais, aí eles vão levar o lucro todo.
Politicamente, o senhor não acha que o baixo investimento na pequena produção se deve à disputa com o agronegócio?
— Claro, os pequenos produtores querem dinheiro e o agronegócio é (constituído) principalmente por empresas estrangeiras que exploram a soja, etc. O pequeno produtor é brasileiro e produz maravilhosamente, com grande organização. Eu montei um pólo de energia em Palmeiras das Missões (RS) que tem quase 70 mil pequenos produtores. É uma beleza: todos eles ganhando dinheiro, produzindo muito bem. Mas precisa de uma empresa de economia mista, com a participação do Estado, para coordená-los, desenvolver tecnologia, abrir o mercado externo. Tudo isso precisa de fomento em áreas estratégicas. O petróleo está acabando, precisa ser substituído por energia renovável e limpa, e nós somos a grande nação com disposição para isso. Entretanto não fazemos nada, não temos nenhum instrumento operativo.
O presidente Lula diz com freqüência que o Brasil será o principal fornecedor de etanol para o mundo. O Brasil tem condições de sustentar essa posição?
— Você tem que construir instrumentos, capacitar gente, criar escolas, desenvolver a indústria. Tudo isso está para ser feito. E o governo não toma iniciativa, fica omisso, medroso. Para competir nessas áreas estratégicas, tem que ser valente, tem que enfrentar, não pode ser covarde. Nós estamos tomando uma posição muito covarde, deixando o estrangeiro tomar conta das terras, das usinas. Vamos virar uma colônia de sexta categoria, o que é um absurdo para um país que tem condições de ajudar todo mundo.
Fonte: www.patrialatina.com.br